Por que a megafauna marinha e os grandes mamíferos terrestres do litoral do Paraná estão ameaçados de extinção?
Monitoramentos inéditos apoiados pelo programa Biodiversidade Litoral do Paraná revelam riscos de extinção, mas também caminhos para a conservação de espécies únicas no país
30/10/2025 às 18:46
O programa Biodiversidade Litoral do Paraná (BLP) apoia projetos estratégicos de conservação, pesquisa e uso sustentável dos recursos naturais, fortalecendo Unidades de Conservação (UCs) e ampliando o conhecimento sobre as espécies terrestres e marinhas. Entre eles estão o MegaCoast-PR, coordenado pela Associação MarBrasil, que monitora a megafauna marinha (golfinhos, baleias, tartarugas, aves e tubarões), e o One Blue Health, que avalia a saúde dos ecossistemas por meio de análises integradas de fauna, ambiente e seres humanos. Já em terra, o BLP apoia o Monitora Serra do Mar, que acompanha grandes mamíferos e aves cinegéticas e/ou ameaçadas de extinção – como onça-pintada, anta, queixada, puma, veado, cateto, macuco, inhambus, urus e jacutinga – e monitora o ecossistema de Floresta Atlântica, incluindo as de florestas de terras baixas, submontana e montana.

O litoral do Paraná, onde essas iniciativas acontecem, é uma das regiões mais singulares do Brasil. Reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, abriga áreas Ramsar (sítios de relevância internacional para a conservação de áreas úmidas) e integra a Grande Reserva Mata Atlântica — maior remanescente protegido do bioma no mundo, com quase 3 milhões de hectares de áreas naturais, florestas, manguezais e águas costeiras preservadas nos estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo. É um território que funciona como berçário, área de alimentação e rota migratória para espécies raras, endêmicas e ameaçadas.

“Estamos em uma região que é casa para espécies que só ocorrem aqui, como o papagaio-de-cara-roxa — ave endêmica do litoral norte do Paraná e sul de São Paulo, protegida há mais de 20 anos por um projeto da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), que conseguiu reverter a tendência de desaparecimento da espécie —, mas também rota de baleias-francas, golfinhos, tubarões-martelo, raias-manta e aves migratórias que vêm da Antártica e da Europa”, explica Camila Domit, pesquisadora do Laboratório de ecologia e Conservação (LEC) da UFPR e da Associação MarBrasil, e coordenadora do projeto MegaCoast-PR.

Megafauna marinha: inovação científica e saúde única
No campo da inovação científica, destaca-se o uso do DNA ambiental, metodologia empregada pelo projeto MegaCoast. A técnica consiste em coletar amostras de água e identificar, por meio de fragmentos genéticos nela presentes, quais espécies de animais ou microrganismos estão circulando naquele ecossistema. O método já revelou, por exemplo, a presença de bactérias que sinalizam riscos não apenas para a fauna, mas também para a saúde humana.

“Já detectamos bactérias  com alta resistência a antibióticos, o que nos leva a discutir a relação entre saúde do ecossistema, da fauna e dos humanos. Golfinhos, por exemplo, compartilham conosco a cadeia alimentar e são sentinelas da saúde ambiental. Se eles adoecem, nós também estaremos vulneráveis”, afirma Camila, da UFPR e MarBrasil.

Outra inovação do projeto MegaCost-PR é o rastreamento acústico de animais marinhos, realizado em parceria com o LEC/UFPR e o Projeto Meros do Brasil. A iniciativa conecta o Paraná a uma rede de telemetria que se estende do Norte ao Sul do país, permitindo identificar as áreas prioritárias para a conservação das espécies e acompanhar os trajetos de espécies migratórias ameaçadas, como peixes ósseos, tubarões, raias, tartarugas marinhas. Estas informações são essenciais para subsidiar políticas públicas brasileiras e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, tal como Comissão de espécies migratórias (CMS).

Além da ciência de ponta, há espaço para o envolvimento social. “Qualquer pessoa pode contribuir registrando avistagens de golfinhos, baleias e tartarugas em nosso site ou nos comunicando via o perfil de mídia social @lecufpr. A ciência cidadã colabora com o monitoramento e aproxima comunidades pesqueiras  e litorâneas  ao processo de construção do conhecimento regional da biodiversidade”, completa a pesquisadora.

O diálogo com comunidades tradicionais e pescadores artesanais locais também é importante para mitigar conflitos relacionados pelo uso de áreas comuns entre espécies ameaçadas e atividades econômicas de interesse humano. “As mesmas áreas de alta produtividade pesqueira são áreas de alimentação da fauna marinha. Nosso papel é mapear essas sobreposições e construir, junto com as comunidades, soluções que conciliem direitos e usos, integrando a conservação, aspectos culturais e quanto a segurança alimentar”, explica Camila.

Grandes mamíferos terrestres: sentinelas da Mata Atlântica
Enquanto o mar exige atenção, a floresta litorânea também dá sinais de alerta. O Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar, que reúne diferentes iniciativas voltadas à conservação de espécies-chave da Mata Atlântica, inclui o projeto Monitora Serra do Mar, apoiado pelo BLP e executado pelo IPeC - Instituto de Pesquisas Cananeia com o Instituto Manacá. A iniciativa acompanha quatro espécies emblemáticas, que são onça-pintada, onça-parda, anta e queixada. Todas ameaçadas na Mata Atlântica, sendo que três delas já estão classificadas como “criticamente ameaçadas” no Paraná.

“A anta praticamente desapareceu das florestas de terras baixas do litoral, e a onça-pintada tem hoje uma população muito baixa, restrita a áreas remotas da Serra do Mar”, alerta Roberto Fusco, coordenador do projeto Monitora Serra do Mar.

Consideradas como sentinelas ambientais, por serem mais vulneráveis à caça e à perda de habitat, essas espécies são as primeiras a desaparecerem, indicando assim, a qualidade de conservação de uma floresta. Além disso, são espécies-guarda-chuva, sua proteção garante a conservação de diversos outros organismos e do próprio habitat.

Apesar do cenário crítico, Fusco vê sinais de esperança. “Em áreas com fiscalização intensiva, identificamos indícios de recuperação. Esses dados nos permitem recomendar regiões estratégicas para reforço populacional, com solturas de antas e queixadas. No caso da onça-pintada, os desafios logísticos e genéticos são maiores, mas não podemos descartar”.

Tecnologia e participação comunitária
As novas ferramentas de monitoramento são parte central da estratégia de conservação apoiada pelo BLP. Uma delas é o SMART (Spatial Monitoring and Reporting Tools), plataforma usada em dezenas de países que digitaliza e padroniza dados de campo, permitindo que patrulhas registrem em tempo real desde avistamentos de fauna até atividades ilícitas como caça e extração de palmito.

No Paraná, essa tecnologia foi incorporada ao Programa Monitora, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), iniciativa nacional que coleta e analisa informações sobre a biodiversidade em UCs de todo o país. Em parceria com o Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar, gestores de UCs da região receberam treinamento para aplicar o SMART, utilizar armadilhas fotográficas e sistematizar dados na produção de indicadores sobre médios e grandes mamíferos ameaçados de extinção e alvos de caça ilegal.

Essa integração fortaleceu a fiscalização e o manejo da biodiversidade e abriu espaço para o engajamento da sociedade. “Ao capacitar comunidades locais para usar essas ferramentas, consolidamos os Agentes de Monitoramento que reforçam a fiscalização, ampliam a intolerância à caça ilegal e ainda geram renda”, explica Roberto Fusco.

Para Camila, da UFPR e MarBrasil, o diálogo que nasce a partir desses resultados é também político. “Os dados do projeto devem orientar gestores públicos, empreendedores e órgãos licenciadores. É sobre qualificar as metodologias de monitoramento, reduzir custos e, sobretudo, harmonizar os diferentes usos do território sem perder de vista a vida que depende dele”.

Sobre o Programa Biodiversidade Litoral do Paraná
Criado em 2021, o Programa Biodiversidade Litoral do Paraná promove a conservação, a pesquisa e o uso responsável dos recursos naturais, fortalecendo Unidades de Conservação e impulsionando o desenvolvimento sustentável do litoral paranaense. Financiado pelo Termo de Acordo Judicial (TAJ) firmado após o vazamento de óleo ocorrido em 2001, o Programa transformou um passivo ambiental em investimento histórico em conservação: serão mais de R$ 110 milhões destinados a iniciativas estratégicas ao longo de dez anos.
A governança do programa é compartilhada entre organizações da sociedade civil, instituições de ensino superior e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), supervisionados pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Paraná. A gestão financeira e operacional do Programa é realizada pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO). Para saber mais, acesse www.biodiversidadelitoralpr.com.br.
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