A paz em linha tênue: o cessar-fogo entre Israel e Hamas e o dilema da estabilidade em Gaza
21/10/2025 às 10:11
Foto de Christelle Hayek na Unsplash
João Alfredo Lopes Nyegray*
Luiz Felipe Costa Rosa Calliari**
A trégua firmada nesta semana entre Israel e o Hamas inaugura uma paz inédita, porém extremamente frágil, sustentada mais pela exaustão das partes e pela pressão internacional do que por uma real disposição política para a coexistência. Após quase dois anos de conflito e mais de 60 mil mortos, a libertação de 20 reféns israelenses vivos e a soltura de cerca de 1.968 prisioneiros palestinos representam um marco histórico, mas também um teste de resistência para um cessar-fogo que pode se desfazer a qualquer momento. A assinatura do acordo de paz em Sharm el-Sheikh, no Egito, com a presença de Donald Trump e de líderes regionais, marca o ponto culminante de um esforço diplomático sem precedentes, ainda que suas bases sejam frágeis e as desconfianças profundas.
Em meio ao cessar-fogo entre Israel e o Hamas, a paz se mantém em uma linha tênue diante da possibilidade de um novo confronto armado. O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, determinou que as Forças de Defesa de Israel elaborassem um “plano abrangente para derrotar o Hamas”, sob a alegação de que o grupo teria violado o acordo de cessar-fogo e a troca de reféns. Katz também confirmou o envolvimento do presidente norte-americano Donald Trump no plano, que prevê a desmilitarização de Gaza e uma transição governamental supervisionada por parceiros internacionais. Esse trecho revela com clareza o paradoxo central do momento: ao mesmo tempo em que se fala em paz, planeja-se uma nova ofensiva militar; e enquanto se propõe a reconstrução, discute-se a desmilitarização imposta. Trata-se, portanto, de uma paz com data de validade, uma trégua sustentada sobre o fio da navalha entre o pragmatismo geopolítico e o desejo de revanche.
A própria engenharia do acordo expõe suas limitações. As entregas de corpos, os atrasos na devolução dos restos mortais dos reféns e os erros de identificação demonstram a ausência de uma estrutura de verificação robusta. O Hamas acusa Israel de descumprir prazos; Israel acusa o Hamas de má-fé e de manipular a opinião pública. Entre essas trocas de acusações, as famílias de reféns e prisioneiros vivem o drama de uma paz que não pacifica, mas apenas interrompe o horror. No campo político, o governo de Benjamin Netanyahu enfrenta pressões internas intensas — tanto da ala ultranacionalista, que rejeita qualquer concessão ao inimigo, quanto de setores moderados que enxergam no cessar-fogo a única saída possível para evitar o colapso moral e econômico de Israel.
A proposta de Trump, embora celebrada por parte da comunidade internacional, carrega um caráter mais simbólico do que estrutural. O chamado “plano abrangente” de Katz, com a participação direta de Washington, prevê a desmilitarização de Gaza e a criação de um governo de transição sob supervisão de parceiros internacionais, provavelmente com protagonismo do Egito. No entanto, falta-lhe uma definição clara de quem, de fato, governará o território palestino no dia seguinte. A tentativa de impor uma arquitetura de poder “de fora para dentro” — um modelo já fracassado em outras experiências do Oriente Médio — corre o risco de alimentar ainda mais a sensação de humilhação e de ocupação indireta entre os palestinos, criando o terreno fértil para a rearticulação de milícias locais.
Não se trata, portanto, de uma paz construída, mas de uma pausa operacional mediada por interesses convergentes e circunstanciais. O envolvimento direto de Trump confere ao processo uma dimensão política e midiática: o ex-presidente busca consolidar sua imagem como o líder que encerrou a guerra mais sangrenta do século XXI, ainda que os fundamentos do acordo permaneçam frágeis e incompletos. O Egito, por sua vez, emerge como peça-chave na engenharia da estabilização — uma posição que lhe devolve protagonismo regional e o coloca como mediador legítimo entre árabes e israelenses.
O desafio agora é transformar o cessar-fogo em um processo sustentável. Isso exigirá três pilares: verificação internacional transparente, incentivos econômicos escalonados para a reconstrução de Gaza e um mecanismo político legítimo de transição. Sem isso, qualquer incidente — um erro na identificação de corpos, um ataque isolado, uma decisão intempestiva de Netanyahu — pode reacender a chama da guerra. A história recente mostra que cessar-fogos sem governança e sem sequenciamento tornam-se apenas intervalos entre duas tragédias.
A paz que começou em Gaza não é um ponto de chegada, mas um intervalo precário entre o caos e a esperança. A frase de Trump ao assinar o acordo — “levou 3.000 anos para chegar a este ponto” — talvez reflita o peso simbólico do momento, mas também a ironia de uma região que parece condenada a redescobrir a guerra a cada tentativa de paz. O que se inaugura agora é menos uma era de ouro, como Trump proclamou, e mais uma era de teste: a de saber se a diplomacia ainda é capaz de conter o ciclo de ódio e vingança que molda o Oriente Médio há gerações.
*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Geopolítica, Negócios Internacionais e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR. Instagram: @janyegray
** Luiz Felipe Costa Rosa Calliari é estudante do curso de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e membro do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR.
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