Me virando do jeito que dá
08/09/2025 às 05:30
Foto de Dallas Penner na Unsplash
por Luiz Felipe Leprevost

“A crônica é a aquarela da literatura. Em rápidas pinceladas, não se sabe como se chega ao fim: depende da sorte e do estado de espírito.” Esta foi uma definição dada por Dante Mendonça a partir de uma confissão minha. Disse a ele que nunca sei se minhas crônicas vão sair boas ou não. Ao escrevê-las, tenho, claro, algum controle técnico, mas isso garante apenas o básico.

A definição do Dante é ao mesmo tempo poética e honesta. A meu ver, casa perfeitamente com a natureza da crônica: algo entre o controle e o acaso, a técnica e o sentimento. A tentativa de capturar um instante com algum conhecimento, um tanto de intuição. E sabendo que o imponderável, o acaso atua ali.

A crônica vem da vida e a vida não se mede por exatidão. Com sensibilidade e olhar atento, a crônica pode revelar muito sobre o tempo em que vivemos e o modo como vivemos.

O que é, afinal, a crônica? Sei lá. Notícia? Opinião? Tudo isso e nada disso? A voz de alguém. A voz de uma cidade. 

A crônica é uma escrita que se adapta. Parece preferir o improviso à rigidez. Escapa aos conceitos fechados. Ao tentar defini-la, a gente até se aproxima, mas não alcança o objetivo por completo.

Justamente por estar tão próxima da memória e, principalmente, da fala, dá para dizer que é conversa fiada por escrito. Tem que ser leve? Tem que ser crítica? Reflexiva? Política? Taí um gênero híbrido, fronteiriço, que circula com facilidade entre os demais gêneros.  Atravessa demarcações, mistura o poético com o banal, o pessoal com o coletivo.

Alguém (não estou me lembrando quem, mas anotei no meu caderno) disse que a crônica é uma esquina, um ponto de encontro entre literatura e vida cotidiana, entre ficção e fato, entre lirismo e jornalismo, entre o que se vive, o que se observa, o que se imagina. Só que não é reportagem, conto, ensaio ou poema. E, ao mesmo tempo, pode conter um tanto de tudo isso.

Não exige enredo, mas também pode ter. Não reivindica teses, mas pode apresentar uma ou outra. Não se obriga a durar para sempre, mas basta pensarmos em Rubem Braga e está aí a permanência.

A crônica é mesmo divertida porque habita interstícios. Cabe nela devaneio, comentário casual, epifanias, tentativa filosófica de compreender o mundo. 

O escritor Cristovão Tezza (se não me engano, ele disse isso numa mesa literária em que eu estava na plateia — anotei no caderno) falou, a respeito do seu exercício como cronista: “tudo que tenho feito é me virar do jeito que dá.”

Me identifiquei com a frase do mestre. Tive a impressão de que era mais sobre mim do que sobre ele (que é um baita cronista). Porque, sem dúvida, é assim que me sinto: me virando do jeito que dá.
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