O tempo e o Direito Penal
02/09/2025 às 18:31
por Sérgio Odilon Javorski Filho

Para além da proteção de bens e valores preciosos para uma sociedade, a missão do Direito Penal é vencer o tempo. O ser humano é resistente à mudança. O organismo acostuma-se com o estilo de vida, independentemente de práticas saudáveis ou degradantes.
A alteração de um padrão de comportamento exige esforço, reconfiguração cerebral e muita dedicação, para fazer o contrário do que foi ensinado. As técnicas de aprendizagem são severas, imperativas, sob pena de marginalização ou ostracismo comunitário.
Pelo vértice da legalidade, não existe conduta certa ou errada. A lei define o que pode ou não ser praticado e como as pessoas devem se conduzir naquele específico meio cuja jurisdição permite ditar e moldar o proceder de cada qual, conforme a vontade coletivo-legislativa.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a tese de legítima defesa da honra não é admissível no júri popular. Nem sempre foi assim, e, mesmo diante dos mais civilizatórios argumentos, ainda há uma legião de fãs do direito de o homem matar a esposa infiel. Jamais o contrário. É o Direito seletivo da moral e dos bons costumes.
Na década de 80, os motoristas trafegavam sem cinto de segurança. Trinta e cinco anos depois, a consciência coletiva mudou, mas precisou do desincentivo punitivo de uma nova legislação e muita fiscalização, principalmente no início da sua vigência. O adultério também já foi criminalizado, hoje não mais. Assim como a lei molda condutas pelo bem da maioria, também sai de cena quando não mais se mostra útil, pela evolutiva alteração de comportamento não prejudicial à vida em comum.
Outras condutas mais enraizadas psicologicamente na sociedade teimam aceitar que, mesmo sem anterior e expressa proibição, sempre consistiram em formas danosas de convivência. A relevância da mulher, diferentes formas de amar e de estilo de vida, o respeito à intimidade de cada um e de escolha em como sentir prazer causam ainda espanto naqueles que acreditam em uma sociedade estática, supostamente criada para ser de uma única forma, estruturalmente pré-definida e impassível de modificação.
Sempre haverá rejeição ao novo em um primeiro momento. O corpo e a mente acostumam-se com a rotina, repetição de ações ou de inércias. Qualquer mudança exige gasto maior de energia, para recepcionar, aprender e internalizar a nova forma de agir, até que se torne automatizada.
Conforme uma conduta se perpetua no tempo, por décadas, quando não por séculos, mais difícil é promover a alteração em velhos grupos acostumados a agir de certa forma. Muitas vezes, não envolve tanto o mérito da questão quanto a não aceitação de mudar. Para muitos, seria admitir que viveram de forma errada, e pior juiz não há que a própria consciência. Cuida-se de julgamento interno e mecanismo natural de autopreservação. Mesmo que existam traços de injustiça na decisão, muitos ainda preferem manter antigos argumentos justificantes de suas práticas a reconhecer seu malefício e inadequação humanitária.
O tempo e o Direito Penal são velhos conhecidos. Ora inimigos, ora amigos. Travam a guerra, para celebrarem a paz. Deste ciclo legal infindável, molda-se o que é permitido e o que é proibido. Logo, o certo não é questão de opinião, mas de legislação.
 
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