Tinha um gari no meio do caminho
19/08/2025 às 18:12
por Sérgio Odilon Javorski Filho

Era para ser só mais uma segunda-feira, em que o gari Laudemir de Souza Fernandez acordou cedo e seguiu para o recolhimento do lixo nas ruas de Minas Gerais. Estava vestido de laranja, como de costume, para ser visualizado de longe e não acabar debaixo do pneu de um automóvel. Quis o destino que no seu último dia de vida, a cor da sua vestimenta despertasse a ira de um empresário playboy, repleto de anabolizantes, dos pés à cabeça, fazendo-o deixar seu veículo armado e partir, primeiramente, em direção à motorista do caminhão do lixo, para ofendê-la, ameaçá-la e, na sequência, puxar o gatilho em direção ao ventre do coletor.
René da Silva Nogueira Júnior portava ilegalmente uma arma de fogo de propriedade de sua esposa Ana Paula Balbino Nogueira, a qual, ao que indica, deixava seu brinquedinho particular às vistas do seu esposo descontrolado, cujo estado de ânimo encontrava-se de tal forma alterado que o fez derrubar o pente da pistola na rua. O motivo: estava com pressa e tinha um gari no meio do caminho. Sem compaixão, acionou a arma e disparou. O coletor de resíduos orgânicos foi a óbito no local. Morreu estirado na calçada que havia acabado de limpar. Sua história completa não foi divulgada pela imprensa. Contudo, não é preciso dizer que, com altíssima probabilidade, vivia em uma comunidade afastada, acordava às 04:00 horas da madrugada, deixou pessoas que dependiam financeira e emocionalmente dele e será esquecido em breve, como se nunca tivesse existido.
Algum poeta ainda dirá que Laudemir cumpriu sua missão até seu último suspiro, ao recolher o fétido lixo social que, se existir justiça no Brasil, por um longo tempo não o deixará transitar pelas ruas da capital mineira como um fora da lei a brincar com a pistola de uma delegada de polícia que, acredite, não será responsabilizada por deixar sua arma pessoal e intransferível ao alcance de um touro enlouquecido cuja covardia é diretamente proporcional ao tamanho do seu corpo.
Coincidentemente, René declarava-se cristão, marido, pai e patriota. No seu currículo, havia mais mentiras do que lixo no caminhão que atrapalhou o empresário de chegar 1 minuto antes na sua empresa. Matou a sangue frio e foi malhar. A raiva o estava fazendo perder massa magra, catabolizar. Afirmava ter mestrado em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP), em Piracicaba (SP). A instituição negou que ele tenha realizado o curso. A PUC-Rio, onde alegava ter graduação em Administração, desmentiu o vínculo, e afirmou que ele “nunca fez nenhum curso, graduação ou pós-graduação” na instituição. Na Harvard Business School, onde dizia ter cursado o “Manage Mentor Course”, não há registro de sua participação ou recebimento de diploma. O mesmo ocorreu com a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), que informou não haver histórico acadêmico do empresário.
O fato é mais que suficiente para demonstrar na prática que o brasileiro não está civilizado a ponto de administrar armamentos em suas residências e menos ainda no trânsito. Mesmo assim, há aqueles que entendem ter sido uma ação lícita, afinal de contas, no meio do caminho tinha um gari.
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