O preço da falta de estratégia: o prejuízo bilionário do tarifaço
11/08/2025 às 20:24
Foto: reprodução
João Alfredo Lopes Nyegray*
A imposição pelo governo Donald Trump de tarifas de 50% sobre uma ampla gama de produtos brasileiros representa não apenas um choque comercial, mas um episódio de significativa tensão geoeconômica nas relações bilaterais. Embora parte das exportações — como petróleo, suco de laranja, aeronaves civis e fertilizantes — tenha sido excluída da medida, o impacto potencial sobre a economia nacional é profundo. Estimativas do Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento indicam que o PIB brasileiro pode sofrer retração de até 80 bilhões de dólares em apenas um ano, com risco de eliminação de cerca de dois milhões de empregos diretos e indiretos.
Do ponto de vista estrutural, o golpe recai sobre setores estratégicos do comércio exterior brasileiro, especialmente aqueles de alta participação nas exportações para os Estados Unidos e que operam em cadeias produtivas longas e intensivas em mão de obra. O agronegócio de alimentos in natura e processados — incluindo café, carnes, frutas, legumes, verduras e pescados — é particularmente vulnerável, não apenas pela dependência do mercado norte-americano, mas também pela dificuldade de redirecionar grandes volumes de produção para outros destinos no curto prazo. Na indústria, segmentos como o de máquinas e motores enfrentam barreiras adicionais, como a exigência de certificações específicas e a existência de contratos de fornecimento de longo prazo, que limitam a capacidade de adaptação.
Autores como Paul Krugman e Maurice Obstfeld, em sua obra sobre economia internacional, lembram que a imposição de tarifas abruptas tende a gerar perdas líquidas para ambas as partes, mas seus efeitos são assimétricos: o país exportador, no curto prazo, sofre mais intensamente por enfrentar choques de demanda sem tempo hábil para reorientar fluxos comerciais. No caso brasileiro, a assimetria é agravada pela alta concentração das vendas externas de determinados produtos nos Estados Unidos e pela insuficiente diversificação de mercados — problema que Robert Gilpin, em The Political Economy of International Relations, identifica como uma vulnerabilidade típica de economias que, embora relevantes no comércio mundial, não possuem política externa e comercial plenamente articulada com seus ativos estratégicos.
A resposta do governo brasileiro até o momento tem sido lenta e reativa. Passadas semanas desde o anúncio das tarifas, um plano de contingência segue em elaboração, com previsão de apresentação ao presidente Lula dias após entrada plena em vigor das medidas. As propostas em discussão — como linhas de crédito, adiamento temporário de tributos e compras públicas emergenciais de alimentos — são instrumentos típicos de mitigação de crises, mas possuem caráter essencialmente paliativo. Falta ao pacote uma dimensão estratégica que incorpore elementos de longo prazo, como a diversificação de destinos comerciais, o fortalecimento da inovação produtiva e o uso de recursos naturais críticos — como as terras raras — como moeda de troca diplomática.
Giovanni Arrighi, em O Longo Século XX, enfatiza que, na economia-mundo capitalista, o poder não está apenas na posse de recursos, mas na capacidade de controlá-los, transformá-los e inseri-los em redes de troca sob condições favoráveis. O Brasil, apesar de deter a segunda maior reserva mundial de terras raras, ainda não domina plenamente as tecnologias de separação e refino, limitando sua capacidade de agregar valor e de convertê-las em capital diplomático efetivo. Sem avanços nessa frente, o país continuará exportando commodities com baixo poder de barganha, perpetuando uma posição periférica na divisão internacional do trabalho.
No plano geopolítico, a reação de Lula de intensificar contatos com líderes dos BRICS, como Vladimir Putin, e manifestar a intenção de dialogar com Narendra Modi sobre uma resposta conjunta às tarifas, adiciona uma camada de risco diplomático. John Mearsheimer, ao tratar da competição estratégica entre grandes potências, observa que, em contextos de tensão, alinhamentos simbólicos ou declarações de solidariedade a rivais estratégicos tendem a ser interpretados como sinal de reposicionamento no tabuleiro internacional. A Rússia, sob sanções ocidentais, e a Índia, recentemente penalizada por Trump pela importação de petróleo russo, não são parceiros neutros na perspectiva de Washington. Assim, ainda que o movimento de Lula busque fortalecer a coordenação Sul-Sul e reduzir a dependência brasileira de mercados ocidentais, o timing e o público-alvo das mensagens podem reforçar na Casa Branca a percepção de que Brasília adota uma postura “antiocidental”, o que reduziria o espaço para negociações bilaterais construtivas.
Além disso, essa postura ocorre em um momento de escalada retórica entre Washington e Brasília, impulsionada pelas críticas diretas de autoridades americanas ao ministro Alexandre de Moraes, sancionado sob a Lei Global Magnitsky. A combinação de um litígio comercial de alto impacto com um clima político bilateral deteriorado cria um ambiente propício à ampliação de medidas punitivas e à redução dos canais de diálogo. Em tal contexto, como lembra Edward Luttwak em suas análises sobre geoeconomia, as relações econômicas e políticas se retroalimentam: disputas comerciais podem ser instrumentalizadas como armas políticas, e tensões políticas podem justificar medidas econômicas mais duras.
O tarifaço de Trump, portanto, é mais que uma barreira alfandegária: é um teste da capacidade do Brasil de articular uma resposta econômica eficiente e uma diplomacia estratégica coerente. A lentidão na adoção de medidas internas e a opção por priorizar a articulação com atores percebidos como rivais dos EUA podem prolongar e aprofundar os prejuízos econômicos. Se o país deseja evitar um ciclo prolongado de perdas, precisará agir com rapidez na negociação direta com Washington, implementar políticas internas que não apenas amorteçam o choque, mas fortaleçam a resiliência produtiva, e calibrar sua diplomacia para que a busca por alternativas não seja interpretada como afastamento deliberado do sistema econômico ocidental.
*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Geopolítica, Negócios Internacionais e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR. Instagram: @janyegray
 
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