
Laís Machado Lucas - Conselheira de empresas
A recente rejeição das propostas de atualização do regulamento do Novo Mercado da B3 por parte da maioria das companhias listadas deve ser interpretada com mais do que surpresa: deve ser encarada como um sinal de alerta. Não apenas porque foram rejeitadas medidas que fortalecem a governança corporativa e alinham o Brasil às melhores práticas internacionais, mas porque essa decisão expõe um paradoxo: empresas que se dizem comprometidas com padrões elevados de governança recusaram avanços que, em muitos casos, já integram suas próprias rotinas.
O Novo Mercado, criado há mais de duas décadas, tinha por objetivo dar resposta a um problema crônico do mercado de capitais brasileiro: a desconfiança. Ele representou, por muito tempo, um compromisso voluntário com práticas que iam além da lei. Um diferencial, que comunicava ao investidor — especialmente o estrangeiro — que a empresa brasileira estava alinhada a princípios como transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.
Rejeitar a evolução desse compromisso é sinalizar na direção contrária da história. A B3 não inovou na maioria das propostas apresentadas; trouxe temas que já eram de conhecimento das empresas, muitos deles com práticas já consolidadas: aumento da participação de conselheiros independentes, limitação ao acúmulo de cargos em conselhos (overboarding), aprimoramento de práticas de comunicação com o mercado, entre outros pontos. Pouquíssimas novidades, mas com um esforço de sedimentação de práticas que já são adotadas por companhias globais e recomendadas por códigos e manuais que inspiraram o próprio Novo Mercado.
A alegação de que essas mudanças gerariam impactos financeiros ou burocráticos relevantes não se sustenta. Governança não é custo — é proteção. É a blindagem contra decisões concentradas, contra riscos reputacionais e contra a perda de valor. É, sobretudo, uma ferramenta estratégica que contribui para a perenidade dos negócios, especialmente em tempos de instabilidade econômica e crescente cobrança social por responsabilidade e integridade.
O resultado da votação evidencia um nível preocupante de resistência as balizas do próprio mercado e, talvez, uma confusão conceitual entre governança e controle. Conselhos fortes, com diversidade de pensamento e atuação independente, ainda são percebidos como uma ameaça à autonomia das empresas quando, na verdade, são esses mecanismos que promovem decisões mais técnicas, equilibradas e sustentáveis — sobretudo nas empresas familiares, onde a governança é também um antídoto contra conflitos internos e sucessões malconduzidas.
Vale lembrar: as regras do Novo Mercado são pactuadas desde o ingresso das empresas nesse segmento. O processo de reforma proposto pela B3 seguiu os ritos previstos, foi legítimo, transparente e, sobretudo, democrático. Ao votar contra mudanças já praticadas internacionalmente, essas companhias não apenas frustram uma agenda de avanço institucional, mas correm o risco de se afastar dos investidores mais exigentes — que buscam justamente ambientes regulatórios sólidos e previsíveis.
A governança corporativa é um processo contínuo. Não pode ser vista como uma meta que se alcança e se arquiva. Ela precisa ser revisitada, ampliada e adaptada aos novos tempos — que exigem agilidade, responsabilidade social e inovação nas formas de gerir.
Se queremos um mercado de capitais mais atrativo, precisamos tratá-lo com mais ambição e menos temor. Melhorar regras, qualificar estruturas e ampliar o diálogo entre empresas, investidores e sociedade não deveria ser visto como um obstáculo, mas como um investimento na solidez das nossas organizações e na credibilidade do país.