Morte encefálica não é coma: entenda o diagnóstico e por que ele é essencial para a doação de órgãos
Por Dr. Denildo Veríssimo, neurocirurgião, especialista em doenças do crânio, coluna e técnicas minimamente invasivas
01/08/2025 às 19:38
Embora muitas vezes confundida com o coma, a morte encefálica é uma condição distinta, definitiva e legalmente reconhecida como morte. O esclarecimento sobre esse tema é essencial, principalmente quando se trata da doação de órgãos, já que é nesse estado e somente nele, que a doação de múltiplos órgãos se torna possível. Este texto busca explicar, de forma clara e embasada em dados oficiais, o que é a morte encefálica, como ela é diagnosticada, por que ela não é sinônimo de coma e por que a compreensão dessa diferença pode salvar vidas.
O que é a morte encefálica e por que ela não é coma?
A morte encefálica é a perda completa e irreversível das funções do cérebro e do tronco encefálico. Isso significa que o paciente não tem mais reflexos neurológicos, não reage a estímulos e, principalmente, não consegue respirar por conta própria. Mesmo com a aparência de um corpo ainda aquecido, com batimentos cardíacos e ventilação mecânica, o indivíduo está clinicamente e legalmente morto.
Já o coma é um estado de inconsciência profunda, mas com possibilidade de reversão. No coma, o cérebro ainda apresenta algum nível de atividade e funções vitais, o que significa que o paciente pode despertar ou evoluir para diferentes estágios, dependendo da causa e da extensão da lesão. Na morte encefálica, não há retorno. O cérebro já não exerce nenhuma de suas funções, e os exames comprovam isso de forma objetiva.
Como é feito o diagnóstico de morte encefálica?
No Brasil, o diagnóstico segue critérios rigorosos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina por meio da Resolução CFM nº 2.173, de 2017, e também pela legislação federal, através da Lei nº 9.434, de 1997, regulamentada pelo Decreto nº 9.175, de 2017.
Para que a morte encefálica seja confirmada, é necessário cumprir três etapas fundamentais:
  1. Avaliação clínica detalhada, realizada por dois médicos diferentes, sem relação com a equipe de transplantes, com especialidade em neurologia ou neurocirurgia. Essa avaliação confirma a ausência de reflexos do tronco encefálico, como a resposta das pupilas à luz, movimentos oculares, reflexo de tosse, entre outros. 
  2. Teste de apneia, que verifica se o paciente tem capacidade de respirar de forma espontânea. Com a suspensão da ventilação mecânica, se não houver esforço respiratório e o nível de gás carbônico ultrapassar um valor crítico sem que a respiração retorne, o teste é considerado positivo para morte encefálica.
  3. Exame complementar obrigatório, como eletroencefalograma (que identifica atividade elétrica cerebral), Doppler transcraniano (que avalia fluxo sanguíneo cerebral), cintilografia ou arteriografia cerebral. Todos têm como objetivo comprovar, por vias técnicas, que não há mais funcionamento cerebral.
Esses exames devem ser realizados com intervalo mínimo de tempo entre as avaliações, respeitando a idade do paciente e as normas da resolução. Só após a conclusão de todas essas etapas é emitido o Termo de Declaração de Morte Encefálica, documento legal que atesta o óbito.
Por que ainda existe confusão com o coma?
A confusão entre coma e morte encefálica é comum, especialmente entre familiares que veem o paciente com sinais vitais mantidos artificialmente. O fato de o corpo estar aquecido e de os aparelhos indicarem batimentos cardíacos e respiração, mesmo que induzidos, contribui para a falsa impressão de que o paciente está vivo e pode melhorar. Parte dessa percepção se dá porque, cultural e biologicamente, o batimento do coração é associado à vida, é um dos sinais mais visíveis e emocionais de que alguém ainda está ali. Soma-se a isso o apego, a esperança e o desejo de recuperação, que são absolutamente humanos.
No entanto, essa sensação é ilusória: o funcionamento cardíaco só persiste graças ao suporte contínuo de aparelhos. Sem eles, o corpo não manteria sozinho nenhuma função vital. A ausência total de atividade cerebral, comprovada por exames e protocolos médicos rigorosos, é o que determina a morte encefálica. Portanto, embora os sinais vitais artificiais transmitam a ideia de vida, a realidade neurológica e legal é de morte completa e irreversível. "Sabemos que esse é um dos momentos mais difíceis para qualquer família. Ver um corpo ainda aquecido, com o coração batendo, traz a sensação de que existe alguma chance. Mas é justamente nesse instante tão doloroso que a medicina precisa entrar com clareza e empatia. A morte encefálica é irreversível, e quando bem compreendida, pode transformar essa dor imensa em um gesto de amor ao próximo. É quando a vida, mesmo na ausência, pode continuar por meio da doação de órgãos”, explica o neurocirurgião Dr. Denildo Veríssimo.
Segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 20% da população brasileira compreende corretamente o que é a morte encefálica. Essa desinformação pode gerar angústia, resistência à doação de órgãos e dificuldade de aceitação por parte da família. Em muitos casos, a recusa familiar é o maior obstáculo para a efetivação da doação, mesmo após o diagnóstico técnico e legal de morte.
Morte encefálica e a doação de órgãos
A morte encefálica é a única situação em que a doação de múltiplos órgãos, como coração, fígado, rins, pâncreas e pulmões é viável. Isso porque os órgãos continuam irrigados e oxigenados por um curto período, graças ao suporte da ventilação mecânica e dos cuidados intensivos.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrou mais de 5.800 notificações de morte encefálica em 2021, das quais 1.451 resultaram em doadores efetivos. No entanto, o índice de recusa familiar ultrapassa 40%, o que limita o potencial de salvar vidas por meio da doação. Compreender que a morte encefálica é, de fato, morte e não uma etapa do coma, é fundamental para a tomada de decisão consciente e solidária.
A importância da informação clara e técnica
O diagnóstico de morte encefálica é feito com base em protocolos científicos, éticos e legais. Todos os profissionais envolvidos são treinados e agem com responsabilidade e empatia. Não há espaço para erro ou precipitação. A confiança nesse processo deve ser reforçada com informação de qualidade, para que famílias estejam preparadas para lidar com essa realidade de forma serena e consciente.
Mais do que um dado técnico, a morte encefálica é um momento delicado que exige acolhimento, escuta e informação. E, quando compreendida com clareza, pode se transformar em uma oportunidade de continuidade de vida para outras pessoas.
Sobre o Dr. Denildo Veríssimo - Com uma carreira que combina excelência técnica, paixão pela ciência e um compromisso inegociável com o cuidado humanizado, o Dr. Denildo Veríssimo representa uma nova geração de médicos que enxergam além do bisturi. Sua atuação é guiada pelo conhecimento, mas também pela empatia, pelo desejo de aliviar a dor — física e emocional — e pela certeza de que cada paciente carrega uma história única. Em sua rotina entre centros cirúrgicos, consultórios e salas de aula, ele equilibra precisão técnica com escuta ativa, conectando ciência e propósito em cada decisão clínica. Para ele, Medicina não é apenas diagnóstico ou procedimento — é presença, responsabilidade e respeito. Em um cenário cada vez mais tecnológico e acelerado, Dr. Denildo reforça, com exemplo diário, que o toque humano continua sendo o maior diferencial da medicina. E que a verdadeira transformação acontece quando o saber se alinha com a sensibilidade.
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