A Itália pode perder mais de 4 milhões de habitantes até 2050 e vive um "inverno demográfico"
31/07/2025 às 09:08
Dados do Istat revelam queda histórica na natalidade, envelhecimento da população e aumento da emigração. Especialistas alertam para os impactos econômicos e sociais e propõem revisão das políticas de cidadania.
A Itália enfrenta uma grave crise demográfica que, segundo projeções do Istat (Instituto Nacional de Estatística), pode reduzir a população em mais de 4 milhões de pessoas nos próximos 25 anos. Do total estimado de 59 milhões de habitantes hoje, o número pode cair para 54,7 milhões até 2050. A tendência levanta sérias questões sobre o futuro econômico, social e cultural do país.

O fenômeno, definido por muitos como “inverno demográfico”, é resultado da combinação de vários fatores: queda contínua da natalidade, envelhecimento da população, aumento da emigração e políticas restritivas de cidadania.

Nascimentos em queda livre
A principal causa do declínio demográfico é a baixa taxa de natalidade. Em 2024, a Itália registrou apenas 370 mil nascimentos – o menor número da história, com queda de 2,6% em relação a 2023, que já havia sido um ano de recorde negativo.

A taxa de fecundidade caiu para 1,18 filhos por mulher, bem abaixo do nível de reposição populacional (2,1). Desde 2008, o número de nascimentos caiu 34,3%, enquanto a idade média da mãe no primeiro filho subiu para 32,6 anos.

População ativa em retração
O Istat também prevê uma forte redução da população em idade ativa (15 a 64 anos), que deve cair de 37,4 para 29,7 milhões até 2050. Essa mudança representa uma ameaça à sustentabilidade do sistema previdenciário e de saúde, baseado na contribuição dos trabalhadores ativos.

Menos trabalhadores significa também menos arrecadação de impostos e mais pressão sobre a seguridade social.

Emigração crescente
Além da queda nos nascimentos, cresce o número de italianos que deixam o país. Em 2024, cerca de 191 mil pessoas emigraram, um aumento de 20,5% em relação ao ano anterior. Entre os cidadãos italianos, o crescimento foi de 36,5%.

A maioria dos emigrantes são jovens qualificados em busca de melhores oportunidades no exterior. “Estamos perdendo nossos jovens porque eles não enxergam um futuro aqui”, afirma Renata Bueno, ex-deputada italiana e advogada internacional. “Muitos italianos saem com uma formação sólida e o desejo de contribuir, mas encontram as portas fechadas em sua terra. É uma perda dupla: capital humano e confiança no sistema.”

Famílias cada vez menores e solitárias
As mudanças demográficas também se refletem na estrutura familiar. Segundo o Istat, até 2050, 41,1% das famílias italianas serão compostas por apenas uma pessoa, frente aos 36,8% atuais. O aumento dos núcleos unipessoais está ligado à queda da natalidade e ao envelhecimento da população.

Hoje, há cerca de 22 mil centenários na Itália, e esse número tende a crescer, exigindo políticas públicas específicas para a terceira idade.

Cidadania: uma possível resposta
Diante desse cenário, alguns especialistas indicam a concessão de cidadania italiana aos descendentes de italianos residentes no exterior como uma possível solução para reequilibrar a balança demográfica. Em 2024, a população estrangeira residente na Itália aumentou 3,2%, alcançando 5,42 milhões – o que representa 9,2% da população total.

Milhões de descendentes de italianos, especialmente na América Latina, desejam obter a cidadania italiana para se mudar, trabalhar e contribuir com o país. No entanto, mudanças recentes na legislação dificultaram o reconhecimento da cidadania iure sanguinis, desestimulando muitos pedidos.

Imigração e integração
A imigração é vista por muitos como uma solução viável, mas ainda enfrenta obstáculos de integração social e cultural.

Renata Bueno destaca a importância de valorizar quem já tem uma ligação profunda com a Itália. “Em vez de focar apenas em fluxos migratórios sem vínculos com o nosso país, deveríamos facilitar o ingresso de quem carrega no sangue a nossa história. Os ítalo-descendentes estão prontos para se integrar, contribuir e reconstruir essa ponte entre a Itália e a diáspora.”

Segundo ela, trata-se também de uma questão de identidade e de estratégia geopolítica. “Reconhecer nossos descendentes não é apenas um ato de justiça histórica, é um recurso valioso para enfrentar com inteligência o declínio demográfico. Temos milhões de pessoas no mundo que amam a Itália e querem fazer parte dela. Só precisamos abrir essa porta.”

Um apelo à ação
A advogada propõe uma visão integrada para o futuro: “São necessárias políticas públicas reais para estimular a natalidade – com incentivos fiscais, mais creches e ferramentas para conciliar trabalho e família – mas também uma profunda revisão das políticas migratórias.”

“Perder 11,5 milhões de habitantes até 2070 – o que equivale a 20% da população – não é um risco teórico, é uma emergência. O inverno demográfico não é inevitável. Podemos agir agora, com coragem e visão. Facilitar a cidadania aos ítalo-descendentes, incentivar a natalidade e abraçar uma imigração estratégica são respostas concretas. O futuro da Itália depende das escolhas que fizermos hoje", deixa um alerta Renata Bueno.
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