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Neurologista curitibano trata pacientes autoimunes desde 1997 com resultados regenerativos e remissão de doenças
Embora seja amplamente associada ao tratamento do câncer, a quimioterapia também pode ser usada para modular o sistema imunológico em casos de doenças autoimunes, como esclerose múltipla, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, entre outras. Nesses quadros, o sistema imune ataca os próprios tecidos do corpo, e medicamentos como a ciclofosfamida ajudam a reduzir essa atividade excessiva, diminuindo inflamações e danos.
O neurologista Paulo Rogério Mudrovitsch de Bittencourt, diretor da Clínica Dimpna em Curitiba, tem utilizado a quimioterapia em alta dose, com ciclofosfamida, como tratamento para doenças autoimunes desde 2005 — e o fez pela primeira vez em 1997. Ao todo, já realizou 115 procedimentos de alta dose, além de incontáveis sessões de pulsoterapia.
Quimioterapia para doenças autoimunes
A aplicação da quimioterapia em alta dose, sem resgate de células-tronco, tem sido explorada em diversos estudos científicos, com destaque para a revisão sistemática publicada no European Journal of Rheumatology (2024), que analisou 29 estudos e 404 pacientes com doenças autoimunes tratados com ciclofosfamida. O estudo mostrou melhora clínica significativa na maioria dos casos. Entre os dados analisados, estão incluídos pacientes atendidos pelo Dr. Paulo Bittencourt.
O neurologista e PhD em Neurologia e Farmacologia pela University of London (Institute of Neurology) explica que, até 2008, o tratamento era chamado de “pré-transplante”, pois era idêntico ao utilizado para estimular a circulação de células-tronco da própria medula óssea. Observou-se, com o tempo, que, além dos efeitos sobre o sistema nervoso e o sistema imunológico, pacientes também apresentavam sinais físicos de rejuvenescimento, como cabelos e gengivas mais saudáveis.
Entre os casos tratados, destaca-se o da paciente Y.E.S., diagnosticada com esclerose múltipla em 1994. Em 1997, ela recebeu acidentalmente uma dose de 3.800 mg de ciclofosfamida — quantidade muito superior à prescrita. Apesar do susto, a paciente não apresentou complicações além da queda de cabelo e entrou em remissão completa da doença. Na época, ela estava no grau 4 da Escala de Kurtske (quase paraplégica). Atualmente, está no grau 0: neurologicamente normal, sem sintomas e sem necessidade de medicamentos. O caso foi publicado na Acta Neurologica Scandinavica e teve repercussão internacional.
Rejuvenescimento imunológico
Segundo o neurologista, os resultados observados incluem não apenas o controle da doença, mas melhora geral da imunidade, redução de infecções urinárias em pacientes com esclerose múltipla e até casos de “cura” em hepatite C. Ele destaca que os efeitos colaterais são raros e manejáveis, sendo a principal preocupação a esterilidade feminina precoce, que pode ser prevenida com a preservação de óvulos (em homens não foram constatados casos de esterelidade). Em geral, a imunidade dos pacientes melhora após o tratamento.
Apesar dos resultados clínicos consistentes e do baixo custo da terapia — que utiliza um medicamento fora de patente e disponível há mais de 50 anos — o tratamento ainda é pouco divulgado. Segundo Dr. Bittencourt, isso se deve à necessidade de conhecimento multidisciplinar (hematologia, reumatologia, neurologia) e à falta de interesse comercial, já que os medicamentos são baratos e não geram retorno financeiro expressivo para hospitais.