Minerais críticos e diplomacia estratégica: o trunfo ignorado do Brasil nas tensões com os EUA
29/07/2025 às 09:24
João Alfredo Lopes Nyegray*
Em meio à escalada das tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, o governo brasileiro parece ignorar um dos trunfos mais estratégicos que tem em mãos: o protagonismo nacional na produção e reserva de minerais críticos como nióbio, lítio e terras raras. Enquanto a administração Biden — e agora o governo Trump em seu retorno beligerante — enxerga nesses elementos a chave para sustentar sua segurança energética, tecnológica e militar frente à supremacia chinesa, Brasília não demonstra habilidade para transformar esse capital geológico em capital diplomático. Pior: o discurso de enfrentamento do presidente Lula, afirmando que "Trump é que deveria ter ligado para mim", evidencia o distanciamento da realidade diplomática e o despreparo de uma política externa que busca protagonismo retórico, mas coleciona fracassos estratégicos.
As chamadas terras raras — um grupo de 17 elementos químicos — e outros minerais estratégicos como nióbio, lítio, grafite, cobalto e cobre, tornaram-se o novo petróleo do século XXI. Sua aplicação é vital para setores como tecnologia de ponta, transição energética, mobilidade elétrica e indústria de defesa. Ímãs permanentes, turbinas eólicas, baterias, sensores, aeronaves militares, blindagem de mísseis hipersônicos e até equipamentos hospitalares como máquinas de ressonância magnética dependem diretamente desses insumos.
Atualmente, mais de 70% da produção mundial de terras raras é controlada pela China, o que acende alarmes em Washington, Bruxelas e Tóquio. Em resposta, os Estados Unidos começaram a mapear alternativas de fornecimento mais seguras e previsíveis — e o Brasil figura com destaque nesse plano. Com a segunda maior reserva global de terras raras e virtual monopólio da produção de nióbio (mais de 90%), o país poderia ocupar um papel central nas cadeias de suprimentos estratégicas do Ocidente. O que falta, no entanto, é estratégia.
Diante do tarifaço de Trump — que impôs 50% de sobretaxa sobre produtos brasileiros sem consulta prévia e com justificativa difusa — o Brasil recorreu à OMC, protestou diplomaticamente e escalou o tom em fóruns multilaterais. No entanto, na prática, a retórica não se converteu em influência. A OMC está com seu sistema de solução de controvérsias paralisado desde o governo Trump, e recorrer à entidade neste contexto soa mais como gesto simbólico do que como instrumento efetivo de dissuasão.
A saída mais pragmática — e potencialmente eficaz — seria colocar os minerais estratégicos brasileiros no centro das negociações. O interesse dos EUA nesses recursos é real e crescente. Relatórios do US Geological Survey indicam que o nióbio brasileiro é o segundo recurso mineral mais crítico para os EUA em termos de vulnerabilidade da cadeia de suprimentos. As aplicações na indústria aeroespacial e de defesa são praticamente insubstituíveis. E os EUA são 100% dependentes da importação de nióbio.
Além disso, o Brasil tem algo ainda mais raro do que terras raras: uma posição geológica, política e institucional capaz de oferecer previsibilidade e segurança jurídica — desde que não se desperdice isso com confrontos ideológicos e retórica nacional-populista.
É nesse ponto que a política externa do governo Lula fracassa. Ao invés de utilizar as reservas estratégicas brasileiras como instrumento de barganha diplomática — o que não significa ameaça, mas sim negociação inteligente —, o presidente opta por uma retórica de enfrentamento, insinuando que é Trump quem deveria procurá-lo. Esse tipo de comportamento é incompatível com a lógica diplomática realista, especialmente em se tratando de uma potência como os EUA, governada atualmente por um líder com viés transacional e punitivista como Donald Trump.
A negociação com Trump, como apontam analistas do Center for Strategic and International Studies (CSIS), não se dá por ameaça explícita, mas sim por oferta de ganhos mútuos — o que os americanos chamam de deal making. Exemplo recente foi o da China, que diante da pressão por restrição nas exportações de terras raras, recuou na retórica e chegou a um acordo com Washington. Trump não cede à força: ele cede ao que pode vender como vitória. O Brasil, portanto, não pode agir como antagonista — precisa se apresentar como parceiro útil.
O Brasil não pode se dar ao luxo de desperdiçar seu potencial geoestratégico. Os minerais críticos não são apenas recursos naturais: são instrumentos de política externa, alavancas de inserção internacional e elementos de soberania negociável. Mas, para isso, é preciso ter política externa profissional, diplomatas com autonomia e líderes que compreendam a complexidade do sistema internacional.
Faltam poucos dias para o tarifaço entrar em vigor. Enquanto Japão, União Europeia e até mesmo China avançam em acordos com os EUA para minimizar tarifas, o Brasil insiste em notas de repúdio e ameaças genéricas. O mundo mudou, e os recursos do subsolo — como o nióbio — valem tanto quanto os da superfície. Resta saber se o governo brasileiro será capaz de entender isso a tempo.
*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Geopolítica, Negócios Internacionais e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR. Instagram: @janyegray
 
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