
Foto de Mari Duarte na Unsplash
por Luiz Felipe Leprevost
Curitiba, cheiro de pipoca que nunca acaba. Eco de sanfona, estalo de fogueira queimando. Curitiba, pingos na calha de casa. Melodia de zinco. A chuva é sempre a mesma, só muda o ângulo. Curitiba não chove de cima pra baixo. Chove de dentro para fora. Se o sol aparece, todo mundo aproveita, mesmo que seja só para ir ali na esquina comprar couve.
Os muros têm musgo e o musgo conhece cada solidão que encostou ali. Os fulanos não se olham, mas sabem. Os vizinhos nunca se falaram, mas viram os filhos uns dos outros crescer. Cachorro latindo atrás da bicicleta. Ponto de ônibus onde ninguém conversa: o Interbairros vai demorar. Cadeira de vime ao redor da mesa na cozinha. Fumaça de sopa subindo pela panela de pressão às cinco da tarde. Cuidado: queima se você estiver distraído. Curitiba, umidade nas juntas. Orvalho no capô dos carros. Vento gelado no pescoço. Frio que não pergunta, geada que não avisa. Cidade de pulôver. O modo como você coloca o casaco. A naftalina no bolso do sobretudo.
Na calçada, uma folha dança sozinha. A moça de touca vermelha (tem sempre uma moça de touca vermelha) atravessa a rua sem olhar. A buzina grita: acorda, guria. Homem de sobretudo marrom, pasta de couro gasta, sapato que conhece todos os atalhos das ruas do centro. Vontade de não ser reconhecido por ninguém. Segredos das bocas malditas. Prédios velhos cochichando o vento. Rádio AM no fundo da barbearia. Ruído de ônibus freando. Árvores das praças, galhos curvados feito velhos encostados nos próprios ossos. Senhoras que usam guarda-chuva mesmo sem previsão. Senhores de boina tomando café com leite em copo americano na padaria. Pastel na Brasileira. Na Biblioteca Pública tiram a boina para lerem o jornal impresso de ontem, de anteontem, com a convicção de que tudo vai piorar.
Curitiba, poesia no bolso. Leminski no paredão. Painéis do Poty. O apito do trem não teve tempo, entrou no meio e partiu em dois o biarticulado. Não faça escândalo, Curitiba. Não chore na rodoviária. Não corra atrás do táxi. O poste ainda pisca do mesmo jeito torto na esquina da Ermelino. O livro que você comprou no sebo da José Loureiro venda no da Emiliano Perneta. O relógio da XV atrasa de propósito.
Ombros erguidos, pescoço encolhido contra o frio, mãos metidas nos bolsos, você anda por aí como quem atravessa um sonho sem controle. Vê tudo se mover. Contempla a solidão vertical que o centro sobe. Os transeuntes zanzando cansados, desviando olhares e buracos nas calçadas. Vitrines luzem indiferentes e devolvem seu reflexo. Curitiba respira curto no inverno.
No céu de algodão sujo, de repente o sol vai se mostrando, tímido e magro, parece que até tem vergonha de incomodar. Curitiba não perdoa. Curitiba não comemora. Observa. Ranzinza. Não diz adeus. Só vira a cara. Curitiba, essa tristeza nem é de hoje.