A Lei Magnitsky e o Supremo Tribunal Federal
22/07/2025 às 09:14
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
por Priscila Caneparo
 
A chamada Lei Magnitsky nasceu do clamor por justiça diante da morte brutal do advogado russo, Sergei Magnitsky, em 2009, em uma prisão de Moscou. Magnitsky havia denunciado um gigantesco esquema de corrupção envolvendo autoridades estatais russas e, por isso, foi detido sem julgamento justo, torturado e morto. O caso comoveu o mundo, especialmente o empresário Bill Browder, ex-empregador de Magnitsky, que passou a fazer lobby internacional pela punição de agentes públicos envolvidos em violações de direitos humanos e corrupção sistêmica.
O resultado foi a aprovação da “Magnitsky Act”, nos Estados Unidos, em 2012. Inicialmente voltada para autoridades russas, a legislação foi expandida, em 2016, para o formato Global Magnitsky Human Rights Accountability Act, que permite ao governo dos Estados Unidos aplicar sanções econômicas e restrições de vistos a indivíduos estrangeiros considerados responsáveis por corrupção ou abusos graves de direitos humanos, independentemente do país de origem.
Desde então, outros países — como Canadá, Reino Unido, Austrália e os membros da União Europeia — adotaram legislações similares. O princípio que os move é claro: quando sistemas de justiça nacionais falham ou são cúmplices, a comunidade internacional tem o dever moral de agir.
No cenário político brasileiro, a discussão sobre a aplicação da Lei Magnitsky ganhou força nos últimos anos, especialmente no contexto de tensões institucionais entre o Executivo, o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal (STF). Políticos e formadores de opinião passaram a sugerir a possibilidade de que ministros do STF fossem alvos da legislação internacional, sob alegações de abusos de autoridade, censura, perseguição política e restrição de liberdades civis — especialmente no contexto dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos.
Nos EUA, por exemplo, os critérios para aplicação da Global Magnitsky Act incluem envolvimento direto ou indireto em tortura, detenções arbitrárias, perseguição política, e corrupção em larga escala. Na prática, basta que o Departamento de Estado e o Departamento do Tesouro considerem haver provas suficientes — mesmo sem sentença judicial — para aplicar sanções, como bloqueio de bens ou restrição de entrada no país.
Ainda que o debate sobre a aplicação da Lei Magnitsky a ministros do STF seja juridicamente possível, na prática, a medida exigiria forte pressão diplomática e evidências bem fundamentadas de que os magistrados praticaram violações deliberadas e sistemáticas. Até o momento, não há casos documentados de magistrados de democracias consolidadas que tenham sido sancionados com base nessa lei. O precedente seria inédito — e altamente controverso.
Além disso, é fundamental observar os riscos de banalização da norma. A Lei Magnitsky foi criada como instrumento de exceção, e não como arma política em disputas internas. Seu uso irresponsável pode minar sua credibilidade e transformá-la em instrumento de lawfare transnacional, especialmente se for impulsionado por narrativas polarizadas ou campanhas de desinformação.
A Lei Magnitsky representa um marco no esforço global para responsabilizar indivíduos poderosos que escapam de punições nos seus próprios países. Mas sua aplicação deve ser rigorosa, técnica e imune a paixões políticas. O debate sobre sua eventual aplicação a autoridades brasileiras, inclusive do STF, é legítimo e revela a maturidade de uma democracia que se permite questionar até suas instituições mais altas.
No entanto, essa discussão exige equilíbrio, provas concretas e compromisso com os valores que a própria lei representa: justiça, transparência e respeito aos direitos humanos. Fora disso, há o risco de transformar uma ferramenta internacional de proteção em instrumento de revanche política — exatamente o oposto do espírito que guiou Sergei Magnitsky e os que lutam por sua memória.
 
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