Florada das cerejeiras
21/07/2025 às 05:30
Foto: Isabella Mayer/SECOM
por Luiz Felipe Leprevost

Frio que entra pelas mangas do casaco, escorre pelas paredes úmidas, faz a bebida alcoólica parecer abraço. E assim, no frio, como se brotasse das geadas, acontece a florada das cerejeiras. Sim, na primeira quinzena do mês, quando as temperaturas baixíssimas ainda beijam e enrijecem nossos dedos e o céu cinza impede o sol, as sakuras abrem sua cor. Nesse período, Curitiba, vestida de neblina, perfumada de quentão e pinhão, enfeita-se também com um toque do Oriente. 

Feito haicais do inverno, as primeiras mudas chegaram por aqui em 1993, presente do imperador do Japão (que elegância doar árvores em vez de só fazer discursos). Em troca, na época, mandamos para lá ipês (trocas bonitas se fazem assim). Esse gesto diplomático e poético, nos deu inicialmente 120 cerejeiras que, como cartas de amor não assinadas, estão espalhadas pela cidade. Parte no Jardim Botânico, outra na Praça do Japão. Algumas na Sete de Setembro. Na Rua XV, no Parque Tanguá, na Anita Garibaldi. E até mesmo na rua do prédio onde moro. 

É possível que você distraidamente tope com alguma delas e, de repente (assim como eu dia desses — será a vida tentando me dizer algo?), se pegue contemplando a sutileza de suas formas pulsando cor-de-rosa. 

Essas árvores me fizeram lembrar do filme Hanami — Cerejeiras em Flor, com direção da alemã Doris Dörrie. Na história, um homem de idade avançada, cuja esposa acaba de morrer, viaja para Tóquio, para morar com o filho caçula. Lá ele tenta conhecer a profundidade de um universo por anos embotado que havia dentro de sua mulher. Inspirado por uma jovem dançarina de butô (dança japonesa “estranha”, íntima, em que o corpo se move a partir do silêncio da dor), acaba por redescobrir o prazer das coisas simples, percebendo de modo sensível as fronteiras da mente e dos sentidos, entendendo algo sobre a vida e a morte. Ao fim, poderíamos dizer que ele descobre a si mesmo. 

Hanami faz refletir, há coisas que só são compreendidas quando entrevemos a dança lenta da vida diante da morte. Leves, miúdas, quase tímidas, as flores das cerejeiras não duram. Nenhuma beleza intensa dura. Kazuo Ohno, o mestre maior do butô dizia: “a dança não se ensina. Está dentro de cada um de nós.” Talvez um tipo de flor também esteja. A sakura é a natureza fazendo o frio dançar. E é o lembrete de que, mesmo em períodos gelados, algo sempre floresce.
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