
Mudança nas regras de sucessão gera alerta para casais; advogada explica impactos e como se proteger
O projeto de reforma do Código Civil brasileiro, atualmente em tramitação no Senado, propõe uma alteração profunda nas regras de sucessão e herança, especialmente no que diz respeito aos direitos do cônjuge sobrevivente. Se aprovada, a mudança pode excluir o marido ou esposa da condição de herdeiro necessário, um direito garantido desde 2002.
A proposta tem gerado grande repercussão entre juristas, famílias e especialistas em planejamento patrimonial, já que o novo texto prevê que o cônjuge só terá direito à herança se não existirem descendentes (filhos, netos) ou ascendentes (pais, avós), participando apenas na meação decorrente do regime de bens escolhido no momento do matrimônio. “Na prática, se houver filhos, todo o patrimônio será dividido exclusivamente entre eles, deixando o cônjuge sobrevivente fora da partilha dos bens, a não ser que haja previsão em testamento ou outro instrumento jurídico, uma vez que ainda será possível dispor de 50% do patrimônio, respeitando a parte da legítima em favor dos herdeiros”, afirma a advogada especialista em Direito Tributário da Mazutti Ribas Stern Sociedade de Advogados, Paula Navarro.
O que muda na prática?
Hoje, o Código Civil brasileiro protege o cônjuge como herdeiro necessário, dividindo a herança com os filhos ou, na ausência destes, com os pais e demais ascendentes do falecido. “Isso significa que metade do patrimônio da chamada “legítima” obrigatoriamente deve ser destinada aos herdeiros necessários, incluindo o cônjuge. Com a reforma, essa proteção deixa de existir em favor do cônjuge”, comenta a advogada.
Navarro explica que segundo o texto, o cônjuge só herdará se não houver descendentes nem ascendentes, caso contrário, só terá direito sobre os bens comuns adquiridos durante o casamento, conforme o regime de bens adotado, e não mais sobre os bens particulares do falecido. “Essa mudança é muito significativa e tem impacto direto no planejamento de vida e na segurança financeira de casais, especialmente em uniões de longo prazo em que muitas vezes um dos cônjuges não têm patrimônio ou meios de subsistência próprios”, explica.
Por que essa mudança está sendo proposta e impacto nas famílias brasileiras
De acordo com a advogada, a proposta segue uma tendência internacional, em que o casamento não confere automaticamente direitos sucessórios, sendo as relações patrimoniais reguladas majoritariamente pelo regime de bens e por atos de vontade, como testamentos. “A justificativa é fortalecer a liberdade de disposição do patrimônio, permitindo que cada pessoa decida, de forma mais autônoma, para quem deseja deixar seus bens, especialmente quando o regime de bens adotado é o de separação de bens. Por outro lado, isso exige um grau maior de conscientização e planejamento jurídico das famílias. Além disso, a reforma também pretende reduzir conflitos sucessórios, que frequentemente geram litígios longos e custosos na Justiça, especialmente entre cônjuges e filhos de casamentos anteriores”, afirma.
A nova regra pode afetar especialmente mulheres, que ainda representam a maioria dos casos em que há desigualdade patrimonial no casamento. Casais em que um dos cônjuges se dedicou mais tempo ao cuidado da casa, dos filhos ou deixou de trabalhar fora podem se ver desamparados em caso de morte do parceiro. “A mudança não afeta apenas casamentos, mas também uniões estáveis, que seguem as mesmas regras sucessórias.
É uma transformação que exige que os casais estejam muito atentos, tanto na escolha do regime de bens quanto na formalização de instrumentos de proteção patrimonial”, alerta Navarro.
A advogada reforça que, por enquanto, a proposta está em análise no Senado e deve passar por debates, emendas e votação antes de se tornar lei. No entanto, o tema já acende um sinal de alerta para que as famílias brasileiras busquem orientação especializada. “A legislação pode mudar, mas quem se planeja consegue se proteger. O que não dá é para ser pego de surpresa lá na frente. Mais do que nunca, pensar no planejamento patrimonial e sucessório deixou de ser algo restrito a grandes fortunas. É uma necessidade de qualquer família que queira proteger quem ama”, finaliza.
Como se proteger das mudanças?
Diante desse cenário, a advogada destaca algumas estratégias que podem ser adotadas para proteger o(a) cônjuge:
Testamento: é a ferramenta mais direta e acessível para garantir que parte ou a totalidade dos bens vá para o cônjuge. É simples de fazer, tem baixo custo e permite que o titular disponha livremente de até 50% do seu patrimônio (quota disponível). Com o falecimento do cônjuge, caso o testamento tenha sido elaborado em cartório, aparecerá automaticamente no momento da abertura da sucessão, e sua execução será obrigatória.
Planejamento sucessório: criação de holdings familiares, doações em vida com cláusulas específicas (usufruto, incomunicabilidade, impenhorabilidade) e outros mecanismos jurídicos permitem organizar a sucessão e proteger o cônjuge.
Revisão do regime de bens: quem está no regime de separação, parcial ou comunhão universal de bens deve entender exatamente quais são os direitos de cada um em caso de falecimento. A mudança de regime é possível, desde que seja consensual e autorizada judicialmente.
Doações em vida: formalizar transferências patrimoniais enquanto ambos estão vivos é uma forma eficiente de evitar inseguranças futuras.
Contratos e pactos antenupciais: estabelecer, de forma detalhada, regras sobre a divisão de bens, inclusive com cláusulas de proteção em caso de morte, pode garantir maior segurança jurídica.