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João Alfredo Lopes Nyegray*
No último dia 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a imposição de uma tarifa generalizada de 50% sobre todas as exportações brasileiras, a partir de 1º de agosto. A medida, que figura como a mais severa entre as anunciadas contra qualquer país até agora, não é apenas um episódio de protecionismo comercial — mas sim um movimento geopolítico com motivações ideológicas e estratégicas claras, em que o Brasil foi convertido em alvo simbólico e funcional para a campanha de Trump.
O mais intrigante é que essa punição tarifária recai sobre um país que, desde 2009, é estruturalmente deficitário em relação ao comércio com os Estados Unidos. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Brasil acumula, nesse período, um déficit de mais de US$ 88 bilhões com os EUA. Em outras palavras: importamos dos EUA muito mais do que exportamos para lá. Ainda assim, fomos os primeiros — e até agora os únicos — a receber a fatura completa da retaliação americana, com uma taxa de 50% que pode inviabilizar setores inteiros da nossa pauta exportadora.
A resposta a esse paradoxo está menos nos números e mais na diplomacia. Trump não age com base em desequilíbrios comerciais — age com base em narrativas eleitorais e sinais geopolíticos. E o Brasil, por escolha própria, enviou uma mensagem contraditória, incoerente e, em última análise, politicamente disfuncional.
Enquanto o presidente Lula comparece ao G20 defendendo democracia, justiça climática e os direitos humanos, seu governo investe pesado no fortalecimento do BRICS — agora expandido com a entrada de países como Irã, Etiópia e Emirados Árabes Unidos, regimes notoriamente autocráticos e alguns, inclusive, acusados de violações sistemáticas de direitos fundamentais. Na recente cúpula do BRICS no Rio de Janeiro, Lula e seus ministros reafirmaram o desejo de construir uma nova ordem internacional “pós-Ocidente”, defenderam a reforma do FMI e do Conselho de Segurança da ONU, e sinalizaram apoio à desdolarização parcial do comércio internacional.
É preciso reconhecer: essas são pautas legítimas. Mas sua articulação simultânea com discursos normativos ocidentais e a negação prática de valores democráticos dentro da aliança do BRICS revelam um duplo padrão diplomático que mina a credibilidade internacional do Brasil. Em linguagem diplomática, o Brasil quer jogar em todos os tabuleiros ao mesmo tempo — e acabou punido por isso.
A carta enviada por Trump a Lula — com menções explícitas à atuação do STF e à situação jurídica de Jair Bolsonaro — revelou uma escalada inédita: o comércio foi instrumentalizado como retaliação política, numa clara tentativa de influenciar, deslegitimar e tensionar o ambiente institucional brasileiro. A devolução da carta por parte do Itamaraty, gesto diplomático raríssimo, agravou ainda mais a crise e praticamente congelou os canais bilaterais diretos com os Estados Unidos.
E o mais grave: a resposta do governo brasileiro tem oscilado entre o silêncio pragmático e a retórica defensiva. O Ministério da Fazenda alertou para impactos nos preços do café e da carne nos EUA — mas não apresentou uma estratégia clara para lidar com a ruptura. O Itamaraty reagiu com irritação, mas não construiu uma coalizão internacional para responder à altura. E, até agora, não houve sinalização concreta de que o Brasil buscará a via institucional da OMC ou do G20 para contestar a tarifa, optando por um isolamento diplomático que não serve nem à soberania, nem à economia.
Não se trata aqui de defender alinhamento automático aos Estados Unidos — mas sim de cobrar coerência estratégica. O Brasil quer ser respeitado como potência média global, mas ainda não aprendeu a lidar com os custos que esse protagonismo exige. Ao tentar agradar simultaneamente Washington e Teerã, Bruxelas e Pequim, Nova Délhi e Caracas, o Brasil se expõe como um ator indeciso, que perde relevância justamente por tentar agradar a todos.
A tarifa de 50% não é um acidente — é um sintoma de um mundo em transição e de um Brasil sem estratégia clara. E os setores produtivos brasileiros, sobretudo aqueles voltados à exportação de carnes, aço, celulose e aviões, já começaram a pagar a conta da improvisação.
*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Geopolítica, Negócios Internacionais e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR. Instagram: @janyegray