Garota no ônibus
14/07/2025 às 05:22
Foto de Reaksmey Thou na Unsplash
por Luiz Felipe Leprevost

Fim de tarde. Estou no centro da cidade. Céu nublando, ficando bonito para chover. Luzes se acendendo antes da hora. Há qualquer coisa de melancólico em luzes acesas antes da hora. Agora o céu inchando. E então a chuva caindo.
Estou passando pela praça Osório e em meio aos guarda-chuvas apressado vejo uma garota (que me lembra outra mulher) embarcar no ônibus. Lá de cima, com a porta se fechando, pelo vidro ela manda um beijo entristecido, migalha de saudade lançada ao vento, para alguém que não consigo identificar. O ônibus, sem demora, faz o barulho de motor característico e arranca.
Continuo imaginando a garota no ônibus que vai atravessando as avenidas na direção do (será?) Santa Cândida. Não sei o nome dela. Não conheço a sua vida. Jamais saberei com quem esteve minutos antes de embarcar. Um namorado ou namorada, talvez, uma amiga ou amigo, algum familiar, alguém do trabalho? Talvez riram juntos de alguma bobagem, pode que tenham dividido um refrigerante, um sanduíche no Bar Triângulo. De repente, se beijaram pela última vez num canto da Livrarias Curitiba. E então aquele outro beijo, lançado de cima do ônibus, quem sabe tenha sido, num gesto de ternura (por que não?), o epílogo de uma relação que findava.
Meu Deus, a chuva parece carregar mais lembrança do que água. Essa garota me fez lembrar que é assim que as pessoas se separam no fim de um dia qualquer. Devagar e ao mesmo tempo rápido demais. Me fez lembrar de um quarto. De uma colcha colorida. Do ventilador no teto. Do calor de uma cidade que já foi chamada de Cidade Maravilhosa. Há amor ali? Não, o amor não tem manual de falhas. Há apenas uma malfadada paixão. Depois, claro, o vazio.
Deixo no passado a Cidade Maravilhosa e volto meus pensamentos para a garota dentro do ônibus. A imagino encosta a cabeça na janela. Descansa os olhos enquanto a cidade continua. Quase dorme com a trepidação. A noite já desceu inteira. Antes de chegar em casa, vai passar no mercado para comprar pão, queijo e presunto, leite, papel higiênico. Chegando, deixará os sapatos perto da porta, ligará a tevê e irá para cozinha aquecer uma sopa de pacote.
Tem feito frio à beça. A chuva para. O mundo segue igual.
 
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