Cúpula dos BRICS 2025: ausências ilustres, presença simbólica e dilemas geopolíticos
01/07/2025 às 01:05
Foto: reprodução
João Alfredo Lopes Nyegray*

Nos dias 6 e 7 de julho, o Rio de Janeiro sediará a Cúpula dos BRICS sob a presidência brasileira — um evento que, originalmente, prometia marcar um novo momento do bloco ampliado, agora com 11 membros e 10 países parceiros. No entanto, o encontro já nasce esvaziado, tanto em termos de presença simbólica quanto de substância política. As ausências de Xi Jinping (China), Vladimir Putin (Rússia) e Abdel Fattah al-Sisi (Egito), somadas à incerteza sobre a participação de líderes-chave como os presidentes do Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, enfraquecem gravemente o prestígio da cúpula e expõem os limites de coesão e ambição geopolítica dos BRICS.
A ausência de Xi Jinping, pela primeira vez desde a fundação do BRICS, é particularmente simbólica. Embora oficialmente justificada por "compromissos de agenda", o gesto é interpretado por diplomatas brasileiros como um sinal de desinteresse político e cálculo estratégico de evitar desgaste num fórum cuja capacidade de entregar resultados concretos é incerta. A substituição por Li Qiang, primeiro-ministro, embora relevante, não carrega o mesmo peso político.
A ausência de Vladimir Putin, por sua vez, já era esperada devido ao mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) em 2023 por crimes de guerra na Ucrânia. O Brasil, como signatário do Estatuto de Roma, estaria legalmente obrigado a prendê-lo caso entrasse em território nacional. A participação de Putin se dará por videoconferência, enquanto o chanceler Sergei Lavrov liderará a delegação russa presencialmente.
A retirada do presidente do Egito, em meio à escalada no Oriente Médio, agrava ainda mais o cenário. Um dos membros mais novos do bloco, o Egito vive situação sensível frente ao Irã e à instabilidade em Gaza — o que reforça as fraturas internas entre os países árabes do BRICS e o novo membro persa. Outros líderes convidados, como Erdogan (Turquia) e Sheinbaum (México), também enviaram representantes de nível inferior.
O resultado é uma cúpula em que, dos 28 países entre membros, parceiros e convidados, menos de 20 contarão com seus chefes de Estado, e alguns dos principais líderes globais estarão ausentes — um fato que limita a legitimidade simbólica e política do encontro.
A cúpula ocorrerá num contexto geopolítico altamente delicado. O Irã — agora membro pleno dos BRICS — foi alvo de ataques militares israelenses e, mais recentemente, de bombardeios dos Estados Unidos a instalações nucleares iranianas, com justificativas ligadas à segurança regional. A declaração preliminar dos BRICS, publicada dias antes do encontro, condena genericamente “ataques a instalações nucleares de natureza pacífica”, sem nomear os responsáveis, numa tentativa de preservar o frágil consenso interno.
A linguagem cuidadosa e legalista da nota, que menciona violações ao direito internacional e à Carta da ONU, reflete o dilema central da política externa do grupo: a dificuldade de formular posições unificadas sobre os conflitos centrais do sistema internacional. Enquanto Irã, Rússia e China pressionam por uma retórica mais firme contra os EUA e Israel, Índia, Brasil, Arábia Saudita, Emirados e Egito mantêm laços estratégicos com Washington e não desejam entrar em rota de colisão com o Ocidente.
No caso da guerra na Ucrânia, a situação é semelhante: os BRICS evitam condenar a Rússia, insistindo em uma solução negociada, mas tampouco conseguem oferecer mediação efetiva. A ambiguidade da China e da Índia, somada à neutralidade brasileira e à posição marginal da África do Sul, revela a incapacidade do grupo de operar como força coordenadora de paz ou segurança internacional.
Entre os temas estruturais da cúpula, destaca-se a reforma da governança global, especialmente a do Conselho de Segurança da ONU. A presidência brasileira defende há anos a ampliação do colegiado para incluir países do Sul Global, como Brasil, Índia e África do Sul. Contudo, China e Rússia resistem à ideia, pois são membros permanentes com poder de veto, e uma expansão real implicaria na diluição de seus privilégios institucionais.
Além disso, há rivalidades entre os próprios membros africanos, com Egito e África do Sul disputando o posto de representante continental. Esse impasse dentro do próprio BRICS frustra qualquer expectativa de posicionamento unificado sobre uma reforma que, na teoria, todos apoiam.
Outro tema de destaque — a desdolarização das transações comerciais — também enfrenta resistência. Rússia e China, sob sanções ocidentais, pressionam por alternativas ao dólar no comércio internacional. Já Brasil, Índia e África do Sul preferem uma abordagem gradual e não confrontacional, temendo impactos negativos nas relações com os Estados Unidos e com mercados financeiros internacionais.
O resultado é que propostas mais ousadas, como a criação de uma moeda comum dos BRICS, não devem avançar na cúpula de 2025. Espera-se, no máximo, o fortalecimento de iniciativas como o uso ampliado de moedas locais nos acordos bilaterais — algo que já ocorre entre China e Rússia.
A realização da cúpula no Brasil deveria consolidar a imagem do país como articulador global e líder do Sul Global. No entanto, a combinação de ausências, divisões internas e impasses estratégicos faz com que a presidência brasileira enfrente o desafio de manter a relevância do bloco mesmo diante de suas fissuras estruturais.
O governo Lula, que busca uma posição de "adulto na sala", como indicam analistas, tenta equilibrar o discurso de justiça internacional (ex. uso do termo “genocídio” para Gaza) com a necessidade diplomática de não alienar aliados estratégicos — tanto nos BRICS quanto no Ocidente. Essa ambiguidade, embora pragmática, limita o impacto político das posições brasileiras.

*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Geopolítica, Negócios Internacionais e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR. Instagram: @janyegray
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