
Foto: Divulgação
Criado por artistas trans e neurodivergentes, o evento valoriza expressões transformistas diversas com programação gratuita e acessibilidade
No Brasil de hoje, onde corpos dissidentes continuam a ser alvos de violência, censura e apagamento, criar um espaço onde essas vozes possam se expressar livremente é uma forma de resistência e cuidado coletivo. É também um caminho para reimaginar o futuro, Por meio dessa proposta, o projeto artístico-cultural Dissidrags transforma o palco em campo de afeto, revolta e invenção. Criado em 2022 por artistas trans, neurodivergentes e dissidentes, Gaia Ogre, Hell e Mercuria, o evento retorna este ano em sua terceira edição.
Selecionado e apoiado da Lei Aldir Blanc, o projeto agora expande sua atuação, em 2025, com uma programação gratuita voltada à acessibilidade e formação, além da valorização de artistas trans, neurodivergentes e não normativos. As atividades incluem a Festa Dissidrags, que será promovida no dia 9 de agosto na Alfaiataria, e a oficina imersiva “Movimentar Potências”, voltada a pessoas autistas e neurodivergentes. Essa ação formativa está prevista para ser realizada nos dias 5 e 12 de julho na Casa Hoffmann.
O projeto nasceu como resposta à ausência de espaços seguros e acolhedores para artistas transformistas que não se encaixam nos moldes tradicionais. “Dissidrags surgiu como um espaço onde as estranhas tivessem vez, onde as dissidentes não fossem a cota, e sim uma multidão, um lugar onde artistas iniciantes e iniciados na arte transformista pudessem estar juntos em celebração e revolta. É mais que um evento: é uma insurgência, um espaço de expressão performativa livre”, conta Mercuria.
PERFORMANCES AUTORAIS E DISSIDENTES
A Festa Dissidrags, principal evento do projeto, reúne performances autorais de artistas transformistas e dissidentes de Curitiba e de outras cidades com medidas específicas para acolhimento sensorial, físico e comunicacional.
A seleção dos artistas será feita por meio de um formulário online aberto ao público, com curadoria voltada à diversidade de gênero, neurodiversidade, estilos alternativos de drag e temáticas que costumam ser censuradas em espaços mais convencionais. Hell destaca que a arte drag, quando feita por e para pessoas dissidentes, se torna ferramenta de denúncia, celebração e transformação. “Em Curitiba, isso ganha ainda mais força, pois desafia estruturas normativas e abre brechas para que outros mundos sejam possíveis”.
O evento reforça o compromisso do projeto com ações formativas e acessíveis. Todas as atividades contam com acompanhamento psicológico, capacitação da equipe, atenção a estímulos sensoriais e adaptação arquitetônica. “A valorização dos artistas envolvidos no projeto e a movimentação de agentes da cultura são conquistas importantes. A gratuidade total e a ampliação da acessibilidade reforçam nosso compromisso político e estético. Essa questão é muito importante para nós, já que as três pessoas idealizadoras do projeto são trans e PCD”, afirma Gaia Ogre.
Por sua vez, a oficina “Movimentar Potências”, voltada a pessoas autistas e neurodivergentes maiores de 18 anos. Conduzida por Hell e Mercuria, a atividade propõe práticas de performance baseadas na propriocepção, nas estereotipias e nos desconfortos corporais como formas legítimas de expressão artística. “A oficina é também uma maneira de preparar corpos para atuar junto à Dissidrags de forma mais livre e crítica, além de promover autonomia estética”, explica Hell.
A metodologia da oficina se aproxima da performance art, ampliando o diálogo entre os campos da arte contemporânea e da linguagem drag. De acordo com Mercuria, a proposta se origina a partir da vivência direta das ministrantes: “A escolha do público-alvo se deu por Hell e eu, que enquanto performers e pessoas neuroatípicas, entendemos o impacto que uma vivência em performance tem sobre o corpo de pessoas neurodivergentes”.
HISTÓRICO COMO ESPAÇO DE CRIAÇÃO COLETIVA
As duas edições anteriores do projeto foram realizadas de forma independente, com forte envolvimento comunitário e foco em práticas horizontais. A cada edição, Dissidrags se consolida como um espaço de criação coletiva e resistência, onde o espetáculo cede lugar à escuta e à elaboração estética de experiências dissidentes.
Como relembra Hell, as duas primeiras edições foram feitas de forma independente e com a participação artistas de variadas expressões, com a proposta de valorizar as dissidências. Nos eventos passados, trazer diferentes tipos de acessibilidade, como as listas de gratuidade para pessoas negras, trans e PCD já era uma prioridade. “Em ambas as edições anteriores foi impactante para nós o quanto o público se envolveu com as performances apresentadas e como o poder transformativo da arte e da coletividade impactou cada pessoa presente ali”, destaca Hell
Mais do que palco, luz e maquiagem, a arte drag, para a organização de Dissidrags, é prática de reinvenção e de vida. A arte drag é uma prática política quando não alienada às demandas das dissidências que a exercem. A Dissidrags é justamente sobre isso: a soma das nossas potências agindo politicamente. Sempre nos esforçamos para trazer à tona questões políticas que nos atravessam”, diz Mercuria.
Para elu, a realização do projeto com recursos públicos é também um ato de residência social. A arte transformista no Brasil tem uma trajetória marcada pela luta por visibilidade da comunidade LGBTQIA+. Desde os tempos da ditadura, quando drags enfrentavam a repressão com performances desafiadoras, essa expressão artística se consolidou como linguagem política e espaço de pertencimento.
Apesar da popularização recente da cultura drag, especialmente após o sucesso de programas internacionais, artistas fora do padrão cisgênero, branco e normativo ainda enfrentam barreiras como falta de incentivo, investimento e espaços seguros de expressão. Dissidrags surge nesse contexto como resposta coletiva e insurgente, propondo um palco onde as dissidências sejam o centro, não a exceção.
Na visão de Gaia Ogre, as políticas públicas de cultura são fundamentais para garantir que pessoas LGBTQIAPN+, negras, indígenas e pessoas com deficiência possam não apenas existir, mas criar, narrar e ocupar espaços com legitimidade. “Em uma sociedade marcada por desigualdades estruturais, esses corpos historicamente foram silenciados, invisibilizados ou estigmatizados. Garantir políticas públicas específicas significa reconhecer que a cultura não é neutra e que a diversidade de experiências precisa ser não só respeitada, mas incentivada como parte fundamental da construção de uma sociedade mais justa”.
SERVIÇO
Oficina “Movimentar Potências”
Quando: 5 e 12 de julho (sábados)
Horário: das 9h às 13h
Local: Casa Hoffmann (Dr. Claudino dos Santos, 58, São Francisco, Curitiba)
Público: pessoas autistas e neurodivergentes maiores de 18 anos
Inscrições: gratuitas
Via formulário online (divulgado nas redes sociais do projeto)
Mais informações: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSc8xeF52VMI0IFl-nDtA6qPRlpHob20c7Iz26VpXdWU3_1Xrw/viewform
Festa Dissidrags
Quando: 9 de agosto (sábado)
Horário: das 17h às 22h
Local: Alfaiataria (Rua Riachuelo, 274, Centro: Curitiba)
Entrada: gratuita
Seleção de artistas será feita via formulário online, com prioridade para dissidências de gênero, neurodiversidade, drag alternativo e temáticas censuradas
Mais informações: https://www.instagram.com/dissidrags/