Israel, Irã e o Oriente Médio em chamas: o colapso da ordem internacional?
16/06/2025 às 19:00
Foto de Bryan Ramos na Unsplash
João Alfredo Lopes Nyegray***
O ataque militar de Israel contra dezenas de alvos estratégicos no território iraniano – incluindo instalações nucleares e cientistas envolvidos no enriquecimento de urânio – marca um ponto de inflexão no já volátil tabuleiro do Oriente Médio. Pela primeira vez em décadas, os arqui-inimigos travam uma guerra direta e aberta, sem intermediários ou dissimulações táticas. Este episódio não apenas eleva exponencialmente o risco de uma escalada regional, mas inscreve-se em um contexto global já caracterizado por desordem, fragmentação e enfraquecimento das instituições multilaterais. Trata-se de uma ruptura com profundas implicações para a segurança internacional e o equilíbrio de poder global.
Israel sempre considerou a possibilidade de um Irã nuclear como uma ameaça existencial. Desde o início dos anos 2000, Tel Aviv atua para impedir que Teerã adquira capacidade militar atômica. Como aponta Colin S. Gray (2007), a segurança nacional de um Estado é sempre subjetiva, e quando se trata de sobrevivência, os limites do uso da força são drasticamente redefinidos. O recente ataque israelense, segundo essa lógica realista, seria uma ação preventiva típica da “doutrina de guerra preemptiva” consagrada na geopolítica clássica – uma tentativa de alterar o curso de um processo que compromete o equilíbrio estratégico regional.
A resposta iraniana, por sua vez, foi rápida e contundente: disparos de mísseis balísticos contra áreas civis em Tel Aviv e Jerusalém. O regime dos aiatolás, como alertou Kenneth Waltz (2012), opera com base em um racional de dissuasão e busca de autonomia estratégica. A escalada atual pode ser lida, também, como uma reação ao cerco político-militar imposto pelo Ocidente – especialmente por Estados Unidos, Reino Unido e França – desde a Revolução Islâmica de 1979.
O atual embate deve ser analisado dentro do quadro de um mundo em transição. A ordem liberal internacional, liderada pelos EUA desde 1945, encontra-se em franco declínio. Autores como John Mearsheimer (2019) já destacaram que a multipolaridade atual não tem os mecanismos institucionais de contenção que marcaram a Guerra Fria. O sistema ONU é desacreditado, o Conselho de Segurança paralisado por vetos, e o direito internacional humanitário frequentemente relativizado por interesses estratégicos.
Neste sentido, o ataque israelense ocorre em um momento de multipolaridade desorganizada. Potências como China e Rússia silenciam ou adotam posições ambíguas, ao passo que os EUA se veem forçados a defender seu aliado, mesmo contrariando os esforços diplomáticos que vinham sendo costurados nos bastidores. A União Europeia, por sua vez, reage de forma fragmentada – dividida entre o apoio incondicional a Israel e a pressão popular por um cessar-fogo e respeito ao direito internacional.
A escalada do conflito entre Irã e Israel pode arrastar países vizinhos, como Líbano (via Hezbollah), Síria e até mesmo o Iêmen, por meio dos Houthis. A chamada “guerra por procuração” (proxy war), pode agora dar lugar a uma guerra direta entre Estados, algo raro no século XXI, onde os conflitos interestatais vinham diminuindo em frequência. A instabilidade no Estreito de Ormuz – rota por onde passa cerca de 20% do petróleo global – já afeta os mercados internacionais, pressionando preços e aumentando o risco de recessão global.
Além disso, as relações comerciais e diplomáticas entre Irã e potências emergentes, como China, Turquia, Brasil e Índia, podem ser impactadas, colocando novos dilemas para os países do Sul Global. Sanções adicionais contra o Irã, ou até mesmo bloqueios navais, poderiam provocar uma nova crise energética e alimentar.
O uso da força por Israel reacende o debate sobre os limites das ações unilaterais no sistema internacional. Embora o artigo 51 da Carta da ONU reconheça o direito à legítima defesa, o ataque preventivo contra alvos em um Estado soberano – sem deliberação do Conselho de Segurança – desafia a ordem jurídica global. A estabilidade internacional repousa sobre um “sistema anárquico de Estados” que coopera com base em normas. A erosão dessas normas – em especial no que se refere à soberania e não-intervenção – abre caminho para um mundo mais violento e instável.
A retaliação iraniana, por sua vez, desafia as capacidades tecnológicas do chamado “Ocidente global” e demonstra que, mesmo sob sanções severas, Estados não-alinhados podem manter capacidade ofensiva significativa. O próprio sistema antimísseis israelense, o Domo de Ferro, apesar de sua eficácia, revela limitações diante de ataques coordenados e múltiplos. Isso pode estimular uma nova corrida armamentista no Oriente Médio, acelerando a militarização de regimes autoritários e minando os esforços de não proliferação nuclear.
Em um mundo marcado por crises simultâneas – da guerra na Ucrânia às disputas no Mar do Sul da China – o conflito entre Israel e Irã lança luz sobre os riscos de uma conflagração de alcance global. O Oriente Médio, já traumatizado por décadas de intervenções externas, vive agora a possibilidade de um conflito total entre dois de seus atores mais poderosos, com ramificações econômicas, energéticas e políticas imprevisíveis.
Como adverte Zbigniew Brzezinski (1997), “o maior perigo para a ordem global não é apenas o colapso da hegemonia americana, mas a ausência de qualquer substituto legítimo e funcional para ela”. O vácuo de liderança internacional e a normalização do uso da força como instrumento de política externa nos colocam em uma encruzilhada histórica. A paz, cada vez mais, parece depender menos do diálogo multilateral e mais da dissuasão bruta entre forças armadas assimétricas e ideologias irreconciliáveis.
**João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Negócios Internacionais e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR. Instagram: @janyegray
 
 
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