
Foto de Braden Jarvis na Unsplash
por Luiz Felipe Leprevost
Desde criança sou observador, gosto de olhar o movimento das pessoas nas ruas da cidade. Coisas pequenas que por vezes parecem simples na hora, curiosamente ficam guardadas na memória e em algum momento retornam.
Foi o que aconteceu com a seguinte lembrança: eu e meus irmãos (tínhamos cada um por volta de seis, nove e dez anos de idade) estávamos encostados na grade em frente à Santa Casa. Cheios de curiosidade e sem sossego, esperávamos a mãe numa consulta (ou estaria visitando algum enfermo?). De minuto em minuto, passavam militares por ali, com suas fardas sempre limpas e aquele jeito sério e disciplinado. Não sei bem, acho que era o caminho que faziam para ir e voltar do quartel. A movimentação chamava nossa atenção.
Um dos meus irmãos falou: “querem ver uma coisa?” E perguntou as horas para um dos militares. Em vez de olhar o relógio no pulso, o homem olhou para o céu, verificando a posição do sol, e respondeu. A gente se entreolhou, tentando segurar o sorriso. A brincadeira virou um desafio. Testando a habilidade deles, passamos a abordar cada militar que passava. Nenhum nos decepcionou. Olhavam para o céu e em seguida (e olha que a gente conferia no nosso relógio de pulso) davam a hora certinha.
Claro, tinham sido treinados para aquilo. Mas no meu imaginário (eu era o irmão mais novo), aqueles militares tinham um sexto sentido apurado, um super poder, uma conexão especial, como se soubessem falar com as nuvens e com o sol.
Recentemente perguntei a um amigo versado no assunto e ele fez a seguinte explicação (que, confesso, tive dificuldade para compreender): “você usa os dedos para medir o tempo. Junta os dedos e segura a mão entre o sol e o horizonte, olhando o céu. Aí conta quantos dedos cabem entre o sol e o horizonte. Cada dedo vale cerca de quinze minutos. Se tiver quatro dedos, faltam mais ou menos uma hora para o sol se pôr.” Concluiu dizendo que é um jeito simples e antigo e que funciona porque o sol sempre se move na mesma velocidade.
Sei que naquela época eu sentia um misto de espanto e orgulho bobo, de criança. Era como se a gente tivesse descoberto um truque, um segredo que só as pessoas do exército conheciam. Parecia que, por alguns segundos, a gente tinha entrado numa área proibida, em que só os militares tinham acesso — não com armas ou ordens, mas com esse conhecimento silencioso.
Interessante. O que parece uma bobagem para os adultos pode ser um acontecimento para as crianças. A curiosidade é uma das qualidades que transforma o mundo ao nosso redor.