Eu, você, o crime
03/06/2025 às 17:41
por Sérgio Odilon Javorski Filho
 
Talvez os loucos se perguntem quando foi e por qual razão o ser humano, projetado à imagem e semelhança do Criador, optou pelo trágico ao invés das belezas infindáveis do mundo.
A cultura do suspense, do terror, envoltas no lamaçal dos delitos sociais foram enraizadas de tal maneira no inconsciente que o sadismo e a barbárie tornaram-se calmantes em uma sociedade ensandecida.
Liberdade de escolha? Com notícias prontas, manipuladas, inventadas, reinventadas, divulgadas e compartilhadas em tiros inconscientes e intermitentes com o mesmo fundo fúnebre, de derrota, delírio, culpa, perda e masoquismo irracional, tudo sob controle externo. Ninguém mais sabe do que realmente gosta. Apenas gosta. O universo pessoal de infinitas possiblidades tornou-se a prisão e o aprisionamento no filme da vida. Quem assiste não percebe que já se tornou segregado sem perceber. O vínculo íntimo passa a ser com a desgraça mediada sob o aspecto de notícias e informações necessárias para manter-se atualizado com tudo o que ocorre de mais podre, nojento e vil no mundo.
Os sabores da vida ficaram para plano extraordinário, igualmente manipulado e centralizado em desejos alheios internalizados como próprios. A era das máquinas começou há muito tempo, antes dos robôs de metal. Zumbis saem todas as manhãs de suas casas alugadas, antes de o sol nascer, e amontoam-se em ônibus, um apertando o outro contra a marmita levada em uma sacola plástica, até chegar ao matadouro. Morre-se pouco a pouco, dia a dia, noite a noite, semana a semana, mês a mês, ano a ano. É a dignidade do trabalho, que explora e condena durante toda uma vida para, lá no final, desfrutar-se de pouco tempo de doenças, dores na coluna e no corpo, do câncer fomentado nos 35 anos buscados para se ter “dignidade”. A herança do martírio e da servidão: a aposentadoria, agora também sob risco.
Não há como saber o momento em que o mundo se perdeu. Nem a expulsão do paraíso explica. Havia lá todas as frutas mais saborosas que Deus inventou para suprir o ser humano de todas as formas, mas não foram suficientes. Desde o início, optaram pelo veneno, proibido, errado. É de se indagar se esta espécie nasce para querer e buscar o que de pior existe, unicamente para sentir o prazer de discordar, o gosto do ilícito, a sensação do ápice das emoções pelo preço do fundo do poço.
Com sede e fome, ao invés de buscarem o alimento que curaria o corpo, os miseráveis, em Roma, lotavam o Coliseu, em busca do envenenamento e contaminação da alma. O almoço em paz com a família substituído pelo gosto de sangue derramado na arena. Hoje, o palco mudou, mas a necessidade desta sensação permanece. Pais e mães adquiriram gosto pelo tribunal do júri, encantados em escutar a desgraça mais brutal entre seres da mesma espécie ser narrada em seus pormenores.
Uma vida atrelada à adrenalina incessante. Eu, você, o crime. O ouvinte nem percebe a indiferença entre quem escolhe o lado que absolve e o lado que condena. O ilícito só existe porque a sociedade o produz e o invoca com sua máxima força e fé. Trata-se do ciclo gestacional para a criação de demônios. Mas estes não assombram. São assombrados, pela inigualável maldade de seus expectadores.
 
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