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Yasmin Schamne*
João Alfredo Lopes Nyegray***
Desde a fundação das 13 colônias no século XVII, os Estados Unidos se consolidaram como um destino para migrantes em busca de segurança, liberdade e melhores oportunidades. Ao longo da história, a imigração funcionou como um combustível para o crescimento demográfico e cultural, contribuindo para a construção de uma nova identidade nacional. Não surpreende, portanto, que a questão migratória continue no centro dos debates contemporâneos.
Em 28 de maio de 2025, a Suprema Corte autorizou o presidente Donald Trump a revogar um programa implementado em 2022 pelo governo Biden, que havia concedido vistos temporários a mais de 532 mil cidadãos da Venezuela, Cuba, Haiti e Nicarágua. Paralelamente, o Departamento de Estado, em parceria com o Departamento de Segurança Interna, iniciou a revogação sistemática de vistos de estudantes chineses — sobretudo aqueles com vínculos com o Partido Comunista Chinês ou matriculados em áreas estratégicas como ciência, tecnologia, engenharia e matemática. As medidas reacenderam o debate sobre o impacto dessas decisões nas suas relações internacionais e estruturas econômicas internas.
Por um lado, tais ações representam um exercício legítimo da soberania nacional. O Estado, nessa visão, tem o direito — e o dever — de controlar suas fronteiras, proteger a segurança interna e definir quem pode ingressar ou permanecer em seu território. A revogação dos vistos seria, nesse sentido, uma resposta calibrada a riscos de entrada irregular, à possível exploração dos sistemas de acolhimento e à crescente rivalidade com China.
Contudo, por outro lado, essas decisões produzem externalidades negativas significativas para os próprios Estados Unidos — tanto no plano doméstico quanto no internacional. No curto prazo, a deportação em massa de imigrantes latino-americanos e o banimento de estudantes chineses de áreas críticas pode desorganizar setores estratégicos da economia, gerar protestos internos e aprofundar tensões diplomáticas com países afetados. No médio e longo prazo, o isolamento de talentos estrangeiros e a erosão do capital simbólico associado à educação norte-americana podem comprometer seriamente o
soft power dos EUA e sua liderança global em ciência, tecnologia e inovação.
As universidades de ponta dos Estados Unidos, como Harvard, MIT, Stanford e outras, não são apenas centros de excelência acadêmica: elas são instrumentos centrais de projeção de poder e prestígio global, como argumenta Joseph Nye (2004) em sua concepção de
soft power. A capacidade de atrair os melhores cérebros do mundo, de moldar lideranças estrangeiras e de influenciar corações e mentes por meio da educação tem sido uma das maiores vantagens comparativas dos EUA na competição internacional. O fechamento das portas para esses estudantes, especialmente em setores STEM, ameaça inverter esse ciclo de influência. Ao transformar a educação em arma de dissuasão ideológica, os EUA corroem sua própria capacidade de formar alianças e disseminar seus valores por vias não coercitivas.
Além disso, a revogação de vistos de forma generalizada, sem um devido processo ou individualização das condutas, pode violar princípios fundamentais do direito internacional dos refugiados. O princípio do
non-refoulement, consagrado no Artigo 33 da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, proíbe a devolução de pessoas para países onde sua vida ou liberdade estejam ameaçadas. Ao deportar sumariamente indivíduos vindos de contextos autoritários e instáveis — como a Venezuela e o Haiti — os EUA podem incorrer em violação desse princípio, sobretudo se ignorarem pedidos de asilo pendentes, conforme alegado por organizações de direitos humanos e pelos próprios afetados.
No plano geopolítico, a perseguição direcionada a estudantes chineses intensifica a narrativa de uma nova Guerra Fria entre China e Estados Unidos, pautada por desconfiança mútua, barreiras tecnológicas e fechamento de canais de intercâmbio. Ao estigmatizar estudantes por sua nacionalidade ou por vínculos formais com o Partido Comunista — em um país onde tal filiação é frequentemente obrigatória ou meramente protocolar — os EUA correm o risco de fomentar ressentimento duradouro entre gerações inteiras de futuros líderes chineses. Isso pode gerar um
backlash diplomático, acadêmico e comercial, levando Pequim a retaliar e acelerar seus próprios esforços de autossuficiência tecnológica e educacional, como proposto em planos como o
Made in China 2025 e o
Double First Class University Plan.
Ou seja: as recentes ações do governo Trump, ao restringirem drasticamente a entrada e permanência de imigrantes e estudantes estrangeiros, representam não apenas uma inflexão nas tradições históricas de abertura dos Estados Unidos, mas também um risco estratégico para seu futuro. Ao enfraquecer pilares centrais de seu
soft power, comprometer a vitalidade de seu sistema acadêmico e infringir obrigações internacionais como o princípio do
non-refoulement, os EUA correm o risco de perder sua posição de liderança moral, científica e diplomática no cenário global. Em vez de fortalecer sua segurança ou sua influência, essas medidas podem isolar o país em um momento de crescente interdependência, prejudicando sua capacidade de formar coalizões, atrair talentos e manter sua vantagem competitiva num mundo cada vez mais multipolar.
* Yasmin Schamne é estudante do curso de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e membro do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR.
**João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Negócios Internacionais e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR. Instagram: @janyegray