
Foto de Don Bach na Unsplash
por Luiz Felipe Leprevost
Fui abordado no shopping Novo Batel por uma jovem discreta. Colocou-se quase na minha frente e falou um pouco baixo: moço, posso orar por você?
Fiz uma cara de quem não entendeu direito a proposta. Ela repetiu: posso orar por você?
Assenti. E ela começou:
“vi Deus nos cantos escuros da cidade / onde as sombras dançam e os anjos choram / Ele vê tudo, conhece seus segredos mais profundos / seus desejos mais selvagens…”
Ela fechou os olhos espremendo o rosto.
“Ele está em cada esquina, em cada rua / observa cada alma, cada coração que bate / Ele testemunha a luta, a dor, a alegria /
e nos vê como mundos inteiros, completos e complexos…”
Nessa hora, numa associação inesperada, lembrei de quando eu era criança de colo e o Papo João Paulo II passou por Curitiba. Meu pai me levou para ver o Santo Homem. E contava que eu gritava festejando: viva o Papa! Viva o Papa. E que João Paulo II teria se detido um momento e olhado bem para mim e me abençoado.
A garota seguia com a ladainha:
“Ele nos colocou aqui / esperando que descubramos o caminho / Ele sabe que estamos perdidos, que estamos confusos / o amor que Ele sente por nós é maior do que tudo…”
O tom de sua voz foi ficando mais baixo, concentrado e ao mesmo tempo mais firme.
“vi Deus nos olhos dos desesperados / nos gritos dos silenciados, nos sussurros dos esquecidos…
Agora escorriam lágrimas em abundância por seu rosto. Ela prosseguia com a récita, entre dentes:
“Ele é o Pai, o Filho, o Espírito / a trindade da da beleza, da salvação da dor / Ele é o tudo e o nada, o começo e o fim…”
A jovem continuou ainda um pouco mais sua peroração. Até que finalmente abriu os olhos saindo do transe. Sorriu candidamente para mim. Hipnotizado por seu gesto misericordioso de orar por um pecador seu desconhecido, abri a carteira e, impulsivamente, estendi a ela uma nota cinquenta. Tal foi o impacto do enfeitiçamento que, se eu tivesse mais, teria dado tudo o que trazia, esvaziando completamente os bolsos.