Formigas na pia
26/05/2025 às 05:30
por Luiz Felipe Leprevost

Estou na cozinha, tentando preparar um café decente. Noto que as formigas da nossa pia estão em atividade. Surgem de uma fresta entre o azulejo e a parede como uma tropa disciplinada, silenciosa e determinada. Não é a primeira vez que as vejo, hoje parecem particularmente agitadas, como se tivessem recebido a ordem para uma missão importante.

Enquanto a água esquenta, observo o movimento. Há algo curioso em sua coreografia quase militar. Cada uma parece saber exatamente para onde ir, como se houvesse um mapa secreto tatuado em seus pequenos corpos. 

São um tipo de formiga que você não encontra em qualquer lugar, elas têm um gosto refinado. Enquanto a maioria se contentaria com restos de açúcar caído na bancada, o negócio delas é a manteiga. Não tocam na goiabada esquecida no canto, ignoram migalhas de pão. Eu as observo, fascinado, nunca tinha visto algo assim. Elas marcham em fila indiana em direção à manteigueira. É como se tivessem um acordo tácito de que a manteiga é o prêmio máximo. Seletivas, gourmets do mundo formigueiro.

Impressiona a determinação que demonstram. Não se importam com a limpeza da cozinha, com a ordem dos objetos, vencem quaisquer obstáculos, seja contornando o filtro de barro, escalando o escorredor de louça; seja passando por dentro de gotículas de detergente ou desviando habilmente restos de palha de aço como soldados em minas terrestres.

Café pronto, sem intervir no trabalho delas, retorno à sala. Caneca ainda fumegante entre as mãos, sento no sofá. Minha mente ficou lá, na pia. Ao contrário de mim, humano demasiado humano, que muitas vezes me perco em busca de coisas fúteis, as formigas da nossa pia sabem exatamente o que querem. Não hesitam. Penso em como minha manhã começou com dúvidas: o que vestir, respondo ou não certa mensagem, o dia vai render? Em seu tempo direto, sem desvios nem ansiedade, as formigas não se colocam tais questões.

Abruptamente, volto à cozinha assoando o nariz, elas se assustam. Para elas, minha imagem deve ser, o quê, a de um rinoceronte gigantesco tocando um trompete desafinado. Começam a debandar, a fila se espalha, entram rapidamente nas frestas. Apenas o grupo que tomou a manteigueira permanece. Poderiam estar dançando salsa em cima da manteiga conquistada. Mas estão atoladas no monte grudento que as prende.
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