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por DEBORA DE CASTRO DA ROCHA
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no Processo: 1001311-64.2022.8.26.0575, reconheceu a usucapião de um veículo que havia sido doado verbalmente por um tio falecido, demonstrando que a ausência de formalização documental pode ser suprida pelo exercício pacífico e contínuo da posse, consolidando, assim, o direito à propriedade.
Isso quer dizer que, o comportamento do possuidor - manifestado pelo uso regular do bem, o pagamento de tributos, manutenção e outros atos típicos de quem exerce o “animus domini” (intenção inequívoca de agir como proprietário) - é determinante para a configuração da usucapião, conforme previsto no Código Civil, especificamente no artigo 1.261.
Mesmo sem um documento formal que registre a transferência, o lapso temporal aliado a atos concretos de posse e administração do bem demonstrou ao Judiciário que a situação fática preenchia os requisitos legais para a consolidação do domínio, caso que demonstra que o instituto da usucapião não se restringe apenas bens imóveis, como terrenos, casas e apartamentos, mas também aos bens móveis, como no caso, os veículos.
Tanto para bens móveis ou imóveis, a ausência de um registro formal de transferência pode ser suplantada pela comprovação de uma posse contínua, mansa e pacífica ao longo de um período determinado por lei. Tais requisitos, caracterizados pelo chamado “animus domini”, são fatores essenciais para que se reconheça a consolidação do domínio por meio da usucapião.
A aplicabilidade da usucapião aos bens móveis se fundamenta na mesma lógica que rege a aquisição de propriedade de bens imóveis: o tempo prolongado de posse não contestada e a prática regular de atos administrativos e de cuidado com o bem, evidenciam a existência de uma situação fática que preenche os requisitos legais.
A interpretação valoriza os fatos em detrimento da mera formalidade documental. Assim, tanto para bens móveis quanto para imóveis, a usucapião permite que o exercício prolongado, pacífico e ininterrupto da posse se converta em título legítimo de propriedade, assegurando ao possuidor o direito de ver regularizada sua situação perante a lei e, consequentemente, de obter segurança jurídica acerca de seu bem.
No caso analisado, apesar da doação ter ocorrido apenas por meio verbal, o beneficiário conseguiu demonstrar que exercia o controle do veículo de forma incontestada ao longo do tempo, o que foi decisivo para que o tribunal reconvertesse a posse no direito de propriedade, reafirmando a ideia de que a segurança jurídica deve privilegiar os fatos em detrimento da formalidade.