
por Sérgio Odilon Javorski Filho
E a arte ganhou vida na mente atormentada da sociedade pós-contemporânea. No espaço não preenchido deixado pelo sentimento de não pertencimento no cenário caótico criado pelo próprio ser humano, tudo que suspira deixou de ser interessante. O desejo injustificável por acumulação transformou casas e automóveis em bens mais valiosos que a moral, a ética, a educação, o conhecimento, até o ponto em que no berço que cabia uma criança do orfanato, viu-se uma boneca, que não chora, não soluça, não se engasga e não precisa trocar fraldas.
Talvez seja bastante oportunista o surgimento do bebê reborn no momento de preocupante infantilização social. Nunca a inteligência adquirida pelo esforço da leitura, da vivência em comunidade ativamente, da frequência a bons cursos educativos e profissionalizantes foi tão negligenciada. São tempos de não cultura. Os mergulhos estão cada vez mais rasos. O Google substituiu o pensar. A nuvem, a memória humana. Um amontoado de silicone e plástico, a descendência.
As crianças não são mais o futuro. Pelo andar da carruagem, as ruas estarão repletas de sedizentes mães correndo para pegar o ônibus que levará seu filho inanimado para o colégio, lugar em que ao menos não cometerão atos criminosos uns contra os outros. Será o fim do bullying, ou não. A mente sádica humana é capaz de qualquer coisa. Novas modalidades de crimes surgirá, pela incriminação de atos que assustariam até mesmo o anjo caído. Mas isto não é obra do tinhoso, tampouco de maluco. São os novos valores a perseguir notoriedade em busca de existência, em um mundo de aparências.
No século passado, dizia-se àquele que muito pretendia aparecer para colocar uma melancia no pescoço e sair à rua. A fruta só foi substituída pela boneca psicopata, sem expressão no olhar, como sua dona. O vácuo, que nada contém, e o vazio, desprovido de conteúdo, encontraram morada no ser e no não ser. O boneco suspirou quando a criatura perdeu a essência humana, do pensar, do sentir, do agir.
Em verdade, o Chucky está mais vivo que nunca e continua matando suas esposas, desprotegidas, quando menos esperam, com golpes fatais. Se quiser saber mais sobre a Anabelle, pergunte às vítimas dos abusos psicológicos, morais e econômicos dos danos irreparáveis causados pelas aflições, angústias e situações perigosas a que foram submetidas. O Pinóquio, então, a dar com o pau.
Enquanto pessoas brincam de faz de conta, uma criança perdeu a vez no posto de saúde, um idoso deixou de ser atendido na consulta eletiva e ficou sem o remédio controlado.
Uma nova onda de leis e jurisprudências está por vir e, aí sim, tornará muito são em doido varrido. A audiência que serviria para definir a adoção de menor terá que esperar até pais de mentirinha decidirem sobre a guarda unilateral ou compartilhada do brinquedo, o trabalhador que busca sua reintegração ao trabalho ficará meses a mais em casa, até que julguem o direito à licença maternidade da mamãe Rivotril.
Se as pessoas estão preocupadas com a humanidade pós bebê reborn, incapazes de fazer o mal, imagine o desespero do mundo imaginário, com seus personagens obrigados a viver como humanos, capazes dos mais atrozes atos.