O Brasil entre Pequim e Moscou: pragmatismo econômico ou contradição moral?
20/05/2025 às 09:17
Foto de Hugo Cornuel na Unsplash
João Alfredo Lopes Nyegray***

Na última semana, o presidente Lula da Silva teve agenda em Moscou e em Pequim. É justamente essa agenda que revela uma postura diplomática que oscila entre ambição estratégica e contradições morais evidentes. Por um lado, a inserção internacional do Brasil é fortalecida por novas parcerias econômicas e diplomáticas, especialmente com a China, seu maior parceiro comercial. Por outro, a presença do presidente brasileiro em eventos liderados por regimes autoritários e suas declarações em Moscou evidenciam uma postura que compromete a imagem do país como defensor da democracia e dos direitos humanos.
A postura do governo brasileiro na Rússia revela uma ambiguidade diplomática que desafia o conceito clássico de política externa orientada por valores (Morgenthau, 2003). Ao buscar diálogo com todos os países, o governo Lula apresenta-se como um defensor do multilateralismo. No entanto, ao estar ao lado de regimes autoritários em celebrações militares, compromete sua credibilidade como defensor da democracia, um princípio central da diplomacia brasileira desde a Constituição de 1988 (Cervo & Bueno, 2011). O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, expressou desconfiança quanto ao papel do Brasil como mediador no conflito entre Rússia e Ucrânia, o que demonstra que a ambiguidade na política externa pode gerar consequências reais para o prestígio do país no cenário internacional (Morgenthau, 2003).
Em contraste, a visita à China reflete uma lógica pragmática e econômica. Em 2024, a China foi responsável por mais de 30% das exportações brasileiras, com destaque para produtos como soja, minério de ferro e petróleo bruto (MDIC, 2024). Esta relação comercial robusta reflete não apenas a demanda chinesa por commodities, mas também o papel estratégico do Brasil como fornecedor de matérias-primas para a economia chinesa, que continua a ser uma das maiores e mais dinâmicas do mundo (World Bank, 2023).
O comércio bilateral entre Brasil e China teve início de maneira modesta, mas foi impulsionado a partir dos anos 2000 com a ascensão chinesa como potência econômica global e sua adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 (Fung, Garcia-Herrero, & Siu, 2012). Desde então, o Brasil tem se beneficiado da demanda chinesa por alimentos e recursos naturais, o que garantiu superávits na balança comercial brasileira e contribuiu para o crescimento econômico do país em diversos períodos.
Para o Brasil, a China representa uma oportunidade única de diversificação de mercados e expansão das exportações, especialmente em um cenário internacional marcado por tensões comerciais e instabilidade política. Ao mesmo tempo, porém, essa relação também apresenta desafios. No entanto, a forte dependência das exportações de commodities para o mercado chinês torna o Brasil vulnerável a flutuações nos preços internacionais e às políticas econômicas de Pequim (Jenkins, 2015).
Os R$ 27 bilhões em novos investimentos chineses no país demonstram a importância dessa relação bilateral. O governo brasileiro busca diversificar sua pauta exportadora e atrair investimentos em tecnologia e infraestrutura, o que é positivo para o desenvolvimento econômico. A participação no Fórum China-CELAC e os acordos firmados reforçam o papel do Brasil como ponte entre a América Latina e o gigante asiático. Contudo, essa aproximação com a China ocorre em um momento de tensão geopolítica com os Estados Unidos, e o Brasil arrisca ser percebido como alinhado a Pequim em detrimento de Washington.
Outro ponto que merece destaque é o papel da primeira-dama Janja da Silva durante essas viagens. Suas declarações e comportamentos têm gerado polêmicas e criado constrangimentos diplomáticos. A viagem antecipada de Janja à Rússia, sem justificativa clara e com altos custos para os cofres públicos, foi alvo de críticas da oposição. Além disso, sua intervenção em uma reunião com o presidente chinês Xi Jinping, criticando o TikTok e relacionando a rede social ao avanço da extrema-direita no Brasil, foi vista como inoportuna e desnecessária. Em diplomacia, a comunicação é estratégica, e declarações descoordenadas podem comprometer a imagem do país.
Diante desse contexto, a agenda internacional do governo Lula expõe uma dualidade entre pragmatismo econômico e ambiguidade diplomática, que reflete a difícil conciliação entre interesses estratégicos e princípios morais na política externa. A presença em Moscou ao lado de regimes autoritários contrasta com o discurso de defesa da democracia, enquanto a aproximação com a China evidencia uma postura pragmática, voltada ao fortalecimento econômico. Segundo Nye (2004), o poder inteligente (smart power) consiste na combinação de hard power e soft power, mas o Brasil parece oscilar entre ambos de maneira descoordenada, enfraquecendo sua capacidade de exercer influência global. Para que o país se consolide como um ator relevante no cenário internacional, será fundamental alinhar sua política externa a uma estratégia coerente, que respeite os princípios constitucionais de promoção da paz e dos direitos humanos (Cervo & Bueno, 2011), sem abrir mão de sua autonomia e capacidade de diálogo com diferentes potências.
*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Negócios Internacionais e Geopolítica da PUCPR e de Relações Internacionais da FAE. Instagram: @janyegray
 
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