
Na foto, a advogada especialista em contratos, direito civil e arbitragem do escritório Assis Gonçalves, Nied e Follador – Advogados, Mariana Keller. Créditos: Michelli Iwasaki
Contratos firmados por aplicativos são válidos, mas é preciso cautela para garantir a sua segurança jurídica
O avanço das tecnologias e a popularização de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, transformaram a forma como os acordos são pactuados. Nesse contexto, é possível que surjam dúvidas sobre a validade jurídica dos contratos celebrados através de aplicativos digitais.
A advogada especialista em contratos, direito civil e arbitragem do escritório Assis Gonçalves, Nied e Follador – Advogados, Mariana Keller, explica que o contrato é formado a partir da declaração coincidente de vontade de duas ou mais partes. O Código Civil não exige que essa declaração de vontade seja manifestada de forma especial, salvo nos casos em que a lei exigir forma especial (art. 107, Código Civil), como ocorre com os contratos de compra e venda de bem imóvel de valor superior a trinta salários mínimos, que precisam ser formalizados por escritura pública. Ou seja, como regra, as partes possuem liberdade para escolher a forma pela qual o contrato será celebrado.
“A manifestação de vontade pode ocorrer por mensagens de texto, áudios ou até emojis. Se a lei não exigir forma especial, a informalidade do meio não invalida o contrato, desde que reste clara a existência da proposta e sua aceitação”, afirma a advogada. Nesse contexto, os contratos celebrados pelo WhatsApp serão considerados válidos se apresentarem os requisitos essenciais à validade de qualquer negócio jurídico: agentes capazes, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104 do Código Civil).
Nos últimos anos, a jurisprudência passou a enfrentar com maior recorrência o tema da validade dos contratos informais pactuados por meio do WhatsApp, muito comuns em relações bancárias ou de prestação de serviços. Os julgados, embora reforcem a ideia de que a ausência de um documento físico com assinaturas, via de regra, não compromete a validade dos contratos, chamam atenção para os cuidados necessários para essa forma de contratação.
“As tratativas feitas por aplicativos de mensagens instantâneas são rotineiras, tornando a contratação mais rápida e fácil. Entretanto, sem a existência de um instrumento formal, a parte pode encontrar dificuldade de fazer prova do contrato em um processo judicial. É essencial que as mensagens trocadas, especialmente via WhatsApp, demonstrem de forma clara a vontade das partes. Assim, caso surja um conflito, as mensagens poderão ser utilizadas como prova da contratação”, comenta Keller.
Como funcionam as provas digitais?
Provas digitais, como mensagens, e-mails, capturas de tela, áudios e vídeos, têm sido admitidas pela jurisprudência brasileira. No entanto, é essencial assegurar a autenticidade e a integridade desses elementos probatórios, comprovando a identidade do remetente e do destinatário.
“O Código de Processo Civil prevê que a utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá da verificação de sua autenticidade, cabendo ao juiz apreciar o valor probante dos documentos juntados. Assim, caso a parte apresente capturas de tela sem qualquer outro elemento que assegure sua autenticidade, esses documentos poderão ser impugnados pela parte contrária ou ter sua força probante questionada pelo magistrado”, ressalta a advogada.
Nesse sentido, para assegurar a autenticidade da prova digital, a parte pode utilizar a ata notarial — instrumento público, lavrado por tabelião, para autenticar a existência e o conteúdo das mensagens trocadas — ou até mesmo requerer uma perícia técnica, que ateste a origem e veracidade do documento digital. “Embora existam julgados recentes dos tribunais pátrios que tenham dispensado a lavratura de ata notarial para atribuir força probante a capturas de tela, a realização deste ato pode servir como uma garantia da idoneidade da prova, dificultando sua impugnação pela parte contrária”.
Os limites dos contratos digitais informais
Apesar do reconhecimento de sua validade, a celebração de contratos digitais informais pode gerar riscos às partes. As mensagens trocadas por aplicativos podem ser excluídas ou perdidas, dificultando a conservação da prova e, consequentemente, a sua apresentação em eventual demanda judicial.
Além disso, a ausência de cláusulas detalhadas e da previsão de prazos, penalidades e obrigações específicas pode abrir margem para disputas ou interpretações divergentes. “Quando surgem conflitos, a falta de termos bem estabelecidos pode dificultar a resolução. Por isso, sempre que possível, é recomendável que os acordos sejam formalizados com maior grau de detalhamento, a fim de garantir segurança jurídica e previsibilidade às partes envolvidas”, ressalta Keller.
Outro ponto que merece destaque é que os contratos celebrados informalmente por WhatsApp não possuem força executiva imediata. “Nesses casos, para exigir o adimplemento da obrigação, o credor precisará recorrer à ação monitória, à ação de cobrança ou até mesmo à ação de conhecimento, procedimentos menos céleres se comparados ao procedimento da execução”. Uma alternativa, explica Keller, seria formalizar um documento particular constituído ou atestado por meio eletrônico, com assinatura eletrônica das partes, cuja integridade foi conferida pelo provedor de assinaturas, já que esse documento possui força executiva, possibilitando que, em caso de inadimplemento, o credor ingresse diretamente com uma ação de execução (art. 784, §4°, do Código de Processo Civil).
Em resumo, a inexistência de um instrumento escrito e assinado por duas testemunhas não impacta a validade do contrato, embora possa impactar a prova de seu conteúdo e a sua força executiva, fazendo com que o credor, em caso de inadimplemento, percorra um caminho mais demorado até ver reconhecido o seu direito, sobretudo se os termos do contrato não forem claros. “Diante desse contexto, embora a contratação informal por aplicativos digitais seja válida, é importante que as partes avaliem os riscos existentes”, conclui a advogada.