
Foto de Aman Gupta na Unsplash
por Priscila Caneparo
A região da Caxemira, localizada ao norte do subcontinente indiano, é cenário de uma das disputas territoriais mais antigas e complexas do mundo contemporâneo. Após a Partilha da Índia em 1947, quando o Império Britânico dividiu o território em Índia e Paquistão, o futuro da Caxemira permaneceu indefinido. Embora possuísse uma população majoritariamente muçulmana, o então marajá Hari Singh decidiu integrar o principado à Índia, o que provocou a primeira guerra indo-paquistanesa entre 1947 e 1948. Desde então, a região encontra-se dividida entre os dois países, com a linha de controle servindo como uma fronteira de fato, frequentemente marcada por tensões militares.
Recentemente, as hostilidades entre Índia e Paquistão voltaram a se intensificar após um atentado militante na região contestada da Caxemira, que resultou na morte de vinte e seis pessoas. O governo indiano responsabilizou o Paquistão pelo ataque, enquanto o governo paquistanês negou qualquer envolvimento. Este episódio reavivou as tensões e elevou o temor de uma possível escalada militar entre os dois rivais, ambos detentores de arsenais nucleares.
O atentado ocorreu em Pahalgam, sendo considerado o mais grave na região desde 2019, quando um carro-bomba matou quarenta soldados paramilitares indianos em Pulwama. Além disso, a ação recente representou um dos ataques mais violentos contra civis comuns, como turistas, em mais de duas décadas. O grupo denominado The Resistance Front (TRF) reivindicou a autoria do atentado. Esta organização é considerada um braço do Lashkar-e-Taiba (LeT), grupo terrorista de orientação islamista salafista que atua principalmente no Vale da Caxemira, fundado durante a Guerra Soviético-Afegã na década de 1980 e financiado por figuras como Osama bin Laden.
Embora o Lashkar-e-Taiba tenha sido formalmente proibido no Paquistão após ser incluído na lista de Organizações Terroristas Estrangeiras dos Estados Unidos em 2002, relatos indicam que o grupo continua operando, com o suposto apoio tácito de setores da inteligência e das forças armadas paquistanesas. O grupo é apontado como responsável por atentados de grande repercussão, como o ataque a Mumbai em 2008 e o ataque ao Parlamento indiano em 2001.
Em 2019, após a revogação do Artigo 370 da Constituição da Índia, que conferia autonomia especial à Caxemira, houve uma reorganização de grupos insurgentes na região. O TRF surgiu nesse contexto, apresentando-se como um movimento de resistência local contra o governo indiano, buscando se distanciar da imagem de intervenção estrangeira ou exclusivamente religiosa. Desde então, o TRF passou a assumir a autoria da maioria dos ataques na Caxemira, substituindo organizações mais antigas como o próprio Lashkar-e-Taiba e o Jaish-e-Muhammad.
Apesar de um período recente de relativa estabilidade na fronteira, o ataque em Pahalgam ameaça romper esse equilíbrio. A Índia acusa o Paquistão de permitir a continuidade das operações de grupos terroristas em seu território, enquanto Islamabad insiste em negar qualquer envolvimento. Historicamente, observa-se que a violência tende a se intensificar quando setores militares paquistaneses se sentem marginalizados em negociações e alianças internacionais.
O contexto internacional também é relevante. A visita do primeiro-ministro indiano aos Estados Unidos e a presença de autoridades norte-americanas em Nova Délhi no momento do atentado podem ter contribuído para a sensação de isolamento do Paquistão no cenário geopolítico, aumentando a tensão.
Diante dessa situação volátil, cresce o receio de que novos episódios violentos possam levar a uma escalada militar difícil de conter, considerando a capacidade nuclear de ambos os países. A comunidade internacional permanece vigilante, buscando alternativas diplomáticas que possam evitar uma crise de maiores proporções na Caxemira.