
Foto de Eric Rothermel na Unsplash
João Alfredo Lopes Nyegray*
A compreensão do cenário internacional não se limita à fotografia estática de um determinado momento histórico: a dinâmica das relações internacionais é, antes, o resultado de um complexo encadeamento de acontecimentos, interesses, normas e percepções que se estendem ao longo do tempo. No campo da geopolítica, um evento ocorrido em dado ano não encerra sua influência ao final desse período; ao contrário, ele reverbera no futuro imediato, desencadeando realinhamentos estratégicos, ajustes normativos e alterações na percepção dos atores estatais e não estatais acerca dos seus interesses. Dessa forma, as transformações registradas em 2024 – seja a intensificação da concorrência entre grandes potências, o fortalecimento de novas coalizões regionais, o avanço da agenda ambiental como questão de segurança internacional ou a consolidação de normativas tecnológicas que redefinem padrões produtivos – lançam as bases para o que veremos em 2025.
E o que deve continuar no ano que virá? A competição sino-americana permaneceu o eixo central da política internacional em 2024. O ano consolidou o que John Mearsheimer (2001) e Graham Allison (2017) identificam como uma dinâmica próxima da “Armadilha de Tucídides”, na qual uma potência emergente (China) desafia a dominante (EUA), gerando tensões, disputas comerciais, tecnológicas e político-estratégicas. A continuidade desse embate deve moldar 2025 em diversos níveis.
Os EUA avançaram em 2024 em seu esforço para limitar o acesso da China a semicondutores avançados e a tecnologias sensíveis. Para 2025, é provável que haja uma segmentação ainda mais clara das cadeias produtivas em blocos de influência, impactando fluxos de comércio e investimentos, além de aumentar a pressão sobre países terceiros para escolherem alinhamentos tecnológicos.
Em 2024, a União Europeia consolidou passos rumo à chamada autonomia estratégica. A guerra na Ucrânia (iniciada em 2022 e ainda não resolvida) e as tensões energéticas impulsionaram a UE a diversificar parceiros, reforçar capacidades de defesa e reduzir dependências externas. A Europa tende a expandir parcerias no âmbito do Indo-Pacífico e da África, buscando manter relevância global e reduzindo a vulnerabilidade a choques externos. Essa tendência pode gerar atritos com os EUA, no sentido de menor alinhamento automático com Washington, ampliando a natureza “multipolar” da ordem. Essa postura menos dependente e mais assertiva da UE poderá alterar a dinâmica das negociações comerciais e de segurança com outros atores, bem como potencializar a influência europeia em normas ambientais e digitais.
Em 2024, o conceito de Sul Global ganhou ainda mais relevância, com países emergentes reforçando alianças flexíveis. Coalizões variáveis – como a expansão dos BRICS e o interesse de outros países no fortalecimento de instituições regionais, tais como a ASEAN e a União Africana – indicaram uma busca por maior voz nas arenas multilaterais. Em 2025, espera-se que esses países fortaleçam mecanismos de cooperação regional, ampliem comércio Sul-Sul e diversifiquem fornecedores de segurança e tecnologia. Isso tende a aumentar a complexidade do sistema internacional, tornando o alinhamento rígido menos frequente.
Em 2024, a agenda climática ganhou novo ímpeto diante de eventos extremos e pressões internas sobre governos para acelerar a transição energética. Conforme apontam estudiosos como Homer-Dixon (1999) e Dalby (2013), as mudanças climáticas tornam-se cada vez mais um fator de desestabilização geopolítica, afetando rotas de migração, segurança alimentar e hídrica, bem como disputas pelo controle de recursos estratégicos.
A maior conscientização da ligação entre meio ambiente e segurança internacional estimulará novas formas de cooperação e tensão. A União Europeia buscará estabelecer padrões globais de governança ambiental, a China e os EUA competirão por liderança em tecnologias limpas, e o acesso a minerais críticos (lítio, cobalto e terras raras) será central na formação de alianças. Diante dessa realidade, novos acordos ambientais e novas instituições de governança climática podem emergir, ainda que enfrentem resistências e tensões relacionadas à soberania e equidade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Por fim, o ano de 2024 evidenciou o crescimento do uso da inteligência artificial (IA) em aplicações estratégicas, assim como as disputas normativas sobre privacidade de dados e regulação de plataformas digitais. A corrida regulatória entre potências tecnológicas se intensificará, com a UE buscando se firmar como definidora de padrões regulatórios globais, enquanto EUA e China disputam a liderança na inteligência artificial. Resta saber como o Brasil se portará nesse cenário: seguiremos perdendo oportunidades ou realizaremos as reformas internas que aguardam, no mínimo, 3 décadas?
*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Instagram: @janyegray