Moeda de troca: como os impostos podem potencializar projetos sociais e tornar empresas mais ESG?
22/11/2024 às 17:48
Segundo especialista, por meio das Lei de Incentivo Fiscal, empresas têm o poder de alavancar a transformação social, com benefícios reputacionais e fortalecimento de suas estratégias ESG; de outro lado, projetos sociais ainda enfrentam desafios para a captação de recursos
Uma via de mão dupla: com mais de 30 anos de existência, as leis de incentivo fiscal consolidaram-se como um importante instrumento de impacto social que pode ser utilizado tanto por pessoas físicas como jurídicas. No âmbito das empresas, esses mecanismos legais surgem anos antes da sigla ESG (Environmental, Social and Governance) ganhar a pauta de discussão no meio organizacional e, hoje, atuam como um ponto de encontro para uma necessidade da sociedade e uma obrigação das empresas, ao unirem filantropia e responsabilidade social corporativa. 
A primeira dessas leis - e talvez a mais conhecida - foi criada em 1991 com a denominação de Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) - a tão popular Lei Rouanet. De lá para cá, outras foram criadas em âmbito nacional, estadual e municipal. Todas elas buscam solucionar um dos grandes desafios enfrentados pelas organizações da sociedade civil, que diz respeito à insuficiência de recursos para a execução dos projetos. 
Para além de grandes iniciativas culturais, como shows e eventos, projetos sociais de menor porte também buscam o incentivo de grandes organizações para darem continuidade às suas atividades, mas esbarram em dificuldades para a captação de recursos junto a pessoas jurídicas. É o caso, por exemplo, do Instituto Novas Histórias, iniciativa que atua na Bahia e no Paraná para fomentar o acesso à educação, à cultura e ao esporte para crianças e adolescentes.

De acordo com Filipe Sabadine, Diretor Executivo do projeto em Campo Largo (PR), mesmo com a aprovação perante ao poder público, a captação de recursos junto a empresas ainda é um dos grandes desafios enfrentados pelo Instituto:
“Hoje, os incentivos fiscais representam apenas 10% dos recursos do nosso projeto, número este que poderia ser muito maior. Acreditamos que esses mecanismos são essenciais para a manutenção e a ampliação do alcance do Instituto, que já impacta a vida de centenas de crianças e adolescentes e de suas famílias”, pontua.
Por meio desses mecanismos legais, o governo abre mão de uma parte dos impostos recolhidos, desde que esses recursos sejam destinados a projetos previamente aprovados pelo poder público. Dessa forma, qualquer pessoa física que tenha imposto de renda a declarar ou pessoa jurídica tributada pelo lucro real pode financiar projetos por meio da renúncia fiscal. No caso da Lei Rouanet, a porcentagem passível de ser direcionada é de 6% para pessoas físicas e 4% para as jurídicas.
Segundo Gustavo Loiola, professor e consultor em ESG e Gerente de Projetos Educacionais no PRME/ONU, ao fomentarem uma cultura de filantropia, os mecanismos fiscais desempenham um papel importante que traz benefícios também para as organizações:
“Ações que geram impacto social tendem a refletir em um aumento da confiança dos públicos de interesse das organizações, especialmente de clientes que valorizam o compromisso social, bem como de colaboradores e investidores que buscam se relacionar com empresas que são ‘bem vistas’ pela sociedade”, explica o especialista.
Segundo pesquisa deste ano da Sherlock Communications, 90% dos brasileiros concordam que práticas de responsabilidade social e ambiental influenciam diretamente na percepção sobre as empresas, com 77% dos entrevistados afirmando que eles apenas compram produtos ou serviços de empresas socialmente responsáveis. “O impacto social positivo é uma alavanca de diferenciação no mercado e melhora a percepção da marca, favorecendo a competitividade”, ressalta Loiola.
(Des)encontros: os desafios para a captação de recursos
Segundo a pesquisa “Brasil ODS: desafios para democratizar a transformação por meio do investimento social”, a necessidade de potencializar os encontros entre empresas e os diversos projetos sociais existentes é latente, visto que mesmo com cerca de R$ 4 bilhões movimentados anualmente no mercado de incentivos fiscais federais no Brasil, 71% das iniciativas que estão registradas e qualificadas para receber esses recursos ainda enfrentam dificuldades para concretizar seus projetos.

“Sem a captação junto às empresas, esses recursos são perdidos”, explica Sabadine. “É necessário ampliar a conscientização sobre a importância que os incentivos fiscais têm para projetos como o nosso, uma vez que se trata de um recurso que já está alocado para os impostos, com a contrapartida de favorecer uma iniciativa que tem um impacto social comprovado”, reforça.
Criado no Sertão Baiano, no município de Cipó, onde oferece atividades musicais, a prática de esportes, educação por princípios, e alimentação de qualidade para cerca de 400 crianças e adolescentes, o Instituto Novas Histórias expandiu sua atuação neste ano para Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, onde já atende mais de 80 crianças e adolescentes no contraturno escolar, com atividades como musicalização infantil, ensino de instrumentos musicais e práticas esportivas, como o jiu jitsu.
Com o fim do ano se aproximando, o período para a captação dos recursos via os mecanismos de incentivo fiscal chega ao fim, ao mesmo tempo em que as empresas também iniciam seus planejamentos e traçam metas futuras para suas estratégias ESG, que passam pela busca de projetos sociais para a destinação de recursos. Para Loiola, a escolha de quais projetos uma empresa pode apoiar deve levar em consideração uma identificação genuína em detrimento à uma simples exposição de marca:
“Ao entrar nesse universo, as organizações ficam tentadas em apoiar diferentes causas e iniciativas, porém é importante avaliar se o projeto está alinhado a sua missão, valores e especialmente se tem conexão com a sua estratégia”, ressalta. “É necessário ter consistência na narrativa de sustentabilidade, portanto, a relação só será genuína, se houver envolvimento direto da empresa, com parcerias que permitam feedbacks contínuos, avaliação de resultados e ajustes ao longo do tempo”.
Comentários    Quero comentar
* Os comentários não refletem a opinião do Diário Indústria & Comércio