
Foto: Divulgação BRICS
João Alfredo Lopes Nyegray*
Em 2001, Jim O’Neill, então economista-chefe do Goldman Sachs, criou o termo “BRIC” em seu relatório "Building Better Global Economic - BRICs". O objetivo inicial era destacar o potencial de crescimento econômico de Brasil, Rússia, Índia e China, cujas economias emergentes poderiam transformar a estrutura da economia global. Naquela época, esses países representavam mercados promissores, com vastos recursos naturais (como Brasil e Rússia), grande base populacional (como Índia e China), e um ritmo de crescimento que superava o das economias avançadas. A projeção do relatório indicava que essas economias poderiam desafiar o domínio econômico dos Estados Unidos e da União Europeia, deslocando o eixo de poder econômico global para além do tradicional do Atlântico Norte.
O contexto internacional do início dos anos 2000 era caracterizado por uma busca por maior multipolaridade no sistema internacional, com críticas ao unilateralismo norte-americano, especialmente após os ataques de 11 de setembro de 2001 e a subsequente Guerra ao Terror. A globalização, que havia sido o motor de integração econômica nas décadas anteriores, começava a ser questionada, e os países emergentes buscavam maior protagonismo em instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, onde suas vozes e interesses não estavam plenamente representados.
Em 2009, os quatro países realizaram sua primeira cúpula, formalizando o grupo e transformando os BRICS em um fórum de diálogo e cooperação política e econômica. A primeira cúpula, realizada em Ecaterimburgo, Rússia, já evidenciava um alinhamento estratégico entre as nações em temas como reforma das instituições de Bretton Woods e a necessidade de uma nova ordem econômica global mais justa. A partir desse momento, os BRICS deixou de ser apenas um conceito econômico e se tornou uma plataforma de articulação política, promovendo a cooperação Sul-Sul e contestando, ainda que indiretamente, a hegemonia ocidental.
Em 2010, a África do Sul foi convidada a integrar o grupo, ampliando o alcance geográfico e político do BRICS para o continente africano, uma região estratégica em termos de recursos naturais e um mercado emergente de crescente importância. A entrada da África do Sul também reforçou o discurso do grupo de representar economias de diferentes regiões do mundo e de atuar em prol de um desenvolvimento global mais equilibrado e inclusivo.
Nesta semana, durante a 16.ª cúpula dos BRICS em Kazan, na Rússia, nota-se que tanto o mundo quanto os BRICS mudaram. A recente adesão de novos membros — como Irã e Etiópia — e o interesse de países como Afeganistão e Cuba em aderir ao grupo refletem um momento de redefinição do grupo e da geopolítica. Por um lado, a aceitação de novos membros pode ser vista como uma coalizão de nações que buscam um sistema internacional multipolar, menos centrado nas instituições e normas promovidas pelos Estados Unidos e pela Europa.
Além disso, o pleito de Estados como o Irã, com um histórico de tensões com os Estados Unidos e a Europa devido ao seu programa nuclear e questões de direitos humanos, e Cuba, que enfrentou décadas de embargo econômico dos EUA, pode transformar os BRICS em uma coalizão de países pouco preocupados com os valores democráticos. A inclusão desses países no BRICS sugere que o bloco pode evoluir para um espaço de articulação entre nações que compartilham uma postura de resistência não apenas à ordem liberal ocidental, mas também a princípios fundamentais como democracia, direitos humanos e liberdades individuais.
Isso levanta preocupações em círculos ocidentais sobre a possibilidade de o BRICS se tornar um grupo de autocracias que não apenas desafiam as instituições de governança global, mas que também criam um espaço de apoio mútuo para regimes autoritários. O risco, neste sentido, é que os BRICS possam oferecer uma plataforma alternativa para países que não desejam se adequar aos ideais de Direitos Humanos, da democracia e da transparência.
A potencial entrada de países como o Afeganistão, sob o governo do Talibã, intensifica essa percepção. Desde que retomou o poder, o Talibã tem implementado práticas que violam princípios fundamentais de direitos humanos, especialmente em relação aos direitos das mulheres. A inclusão de um governo com essa postura no BRICS poderia reforçar a ideia de que o bloco está disposto a acolher regimes rejeitados ou marginalizados pelo Ocidente, com base em uma agenda de resistência às imposições culturais e políticas ocidentais.
Embora a importância econômica e demográfica dos BRICS continue crescendo, ao se transformar em um grupo de nações pouco preocupadas com valores democráticos, o bloco corre o risco de ser visto como uma coalizão de párias – especialmente quando um de seus membros está envolvido em uma guerra de agressão e outro é acusado de financiar grupos terroristas para desestabilizar o Oriente Médio. Por isso, muitos analistas apontam que a reunião em curso servirá para que Rússia, China e Irã sigam reforçando sua postura anti-ocidental.
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray