A tênue linha entre controle e censura: a limitação das redes sociais pelo mundo
09/09/2024 às 17:37
Foto de Manson Yim na Unsplash
João Alfredo Lopes Nyegray*
O paradoxo da tolerância, formulado por Karl Popper em "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos" (1945), aborda os limites da tolerância em uma sociedade democrática e aberta. O paradoxo pode ser resumido da seguinte forma: se uma sociedade for ilimitadamente tolerante, sua própria tolerância será destruída pelos intolerantes.
Popper argumenta que, para que uma sociedade livre e pluralista sobreviva, ela precisa estabelecer um limite à tolerância: a intolerância não deve ser tolerada. A premissa é que, se permitirmos que visões intolerantes ganhem espaço e se fortaleçam, essas mesmas visões podem, eventualmente, destruir os pilares de uma sociedade aberta, que é fundamentada na tolerância e no respeito às diferenças.
Esse paradoxo formulado por Popper pode nos ajudar a entender melhor as disputas entre Elon Musk, dono da rede social X (anteriormente conhecida como Twitter), e o Judiciário brasileiro. As controvérsias envolvem solicitações judiciais para o bloqueio de contas e conteúdos na plataforma, além da divulgação de dados de usuários. Musk se posicionou publicamente contra essas ordens, alegando que representam censura e um ataque à liberdade de expressão. O descumprimento dessas ordens por parte da X resultou em multas impostas pelas autoridades brasileiras, a maioria delas ainda não quitadas.
A resistência de Musk em cumprir ordens judiciais no Brasil contrasta com sua postura em países como Turquia e Índia. Nesses locais, as ordens de bloqueio costumam estar relacionadas a questões de segurança nacional, discursos que podem incitar violência ou desestabilizar o governo. Esses países adotam uma abordagem mais rígida e autoritária no controle das redes sociais, e o descumprimento das ordens pode resultar no bloqueio total da plataforma ou na proibição de sua operação no país. Já no Brasil, as ordens judiciais frequentemente estão relacionadas à disseminação de desinformação e fake news, especialmente em um contexto eleitoral.
Notoriamente, os países que mais bloqueiam redes sociais, especialmente a rede X (antigo Twitter), são aqueles com regimes autoritários ou que enfrentam crises políticas e sociais intensas. O bloqueio de redes sociais é frequentemente usado como ferramenta de controle da informação, restrição à liberdade de expressão e contenção de movimentos de oposição.
A China é o exemplo mais extremo de bloqueio de redes sociais. A plataforma X, junto com outras como Facebook, Google e YouTube, está proibida desde 2009. O governo chinês implementa uma política de censura rigorosa por meio do "Grande Firewall", uma combinação de medidas legais e tecnológicas que regula o fluxo de informações digitais e limita o acesso a conteúdos considerados subversivos ou contrários aos interesses do Estado.
O Irã bloqueou o acesso ao X e a outras redes sociais, como Facebook e Telegram, após os protestos em massa em 2009, conhecidos como Movimento Verde. As autoridades impuseram bloqueios totais ou parciais, que se intensificaram durante momentos de agitação política, como os protestos de 2017–2018 e 2022. A Rússia adota uma abordagem seletiva: desde a invasão da Ucrânia em 2022, aumentou a censura digital, bloqueando ou limitando o acesso a diversas plataformas, incluindo X. Já a Arábia Saudita monitora de perto o uso das redes sociais, bloqueando ou restringindo conteúdos críticos ao governo ou à família real. Embora o X não tenha sido bloqueado totalmente, há um controle rigoroso sobre o conteúdo, e as contas podem ser suspensas por críticas ao regime.
Embora nas democracias — ou sociedades tolerantes, como sugeriu Popper — a liberdade de expressão seja a regra, pode-se restringi-la quando, em geral, três requisitos fundamentais são cumpridos: base legal, objetivo legítimo e necessidade e proporcionalidade. Quando democracias bloqueiam redes sociais, mesmo com justificativas legais, surge um dilema ético: a proteção da ordem pública versus o risco de uma erosão gradual das liberdades democráticas. Zeynep Tufekci (2017) alerta para o perigo de que tais medidas possam abrir precedentes para futuros abusos, mesmo em contextos democráticos. Um governo que começa a bloquear redes sociais para "proteger a ordem pública" pode, no futuro, expandir essa prática para sufocar críticas legítimas.
Segundo Hannah Arendt, em "As Origens do Totalitarismo" (1951), regimes totalitários buscam criar uma "realidade alternativa", onde a verdade objetiva é suprimida em favor de uma versão fabricada da realidade. Por outro lado, o uso de censura digital pode, paradoxalmente, fortalecer movimentos clandestinos e aumentar o risco de violência, conforme argumenta Manuel Castells em "Redes de Indignação e Esperança" (2012). Afinal, qual é o limite entre controle e censura?
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray
 
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