Um cara show!
28/03/2024 às 17:47

por Maria Lucia Wood Saldanha

Na última semana perdi meu irmão, de forma repentina. Com apenas 58 anos, Julio Cesar Wood Saldanha era o quarto filho dos meus pais. Eu sou a quinta.

Começou a sentir-se fraco, com dor de cabeça e apresentando manchas vermelhas pelo corpo, ocasião em que foi levado para o pronto-atendimento de Piçarras, onde morava. A princípio, pensaram ser dengue, mas depois foi sugerido ser uma doença autoimune ou mesmo câncer. Estava com anemia ferropriva, infecção urinária e as plaquetas chegaram a 7.000, quando o normal é de 150.000 a 450.000. Foi transferido para um hospital de Itajaí, no dia seguinte. Seguiu nauseando e com confusão mental. A noite, faleceu.

Na certidão de óbito constou como causa “doença não especificada do sangue”. Depois do seu enterro saiu o resultado do exame que detecta o vírus da dengue e deu “não reagente”.

Ainda não dá pra acreditar que ele partiu. Num final de semana por mês, há anos, desde que comecei a ficar com limitações físicas, sempre vinha ficar comigo, mesmo depois que mudou-se para Piçarras. Quando saia sol, fazia questão de me levar passear nas canaletas dos ônibus ou num parque, voando comigo na cadeira de rodas, enquanto as outras pessoas corriam atrás para nos alcançarem. Eu adorava, ria muito e sentia segurança, porque sabia que mesmo naquela pressa, ele estava cuidando de mim.

Na infância e adolescência, Julinho, como era chamado na época, era terrível. Repetiu de ano duas vezes e nunca foi um bom aluno. Não bastasse isso, minha mãe era chamada com frequência na escola, porque ele aprontava com os colegas, irritando-os, quer dando apelidos, quer fazendo piadinhas. Eu mesma era chamada por ele de “Lom”, como referência a “lombriga”. Até uma versão de uma música ele fez e cantava pra mim na frente dos outros. Eu chorava de raiva e ele saia realizado. A intenção dele era irritar. E isso ele fazia com maestria.

Na casa da praia de Coroados ele irritava a mim e as minhas primas, usando nossos xampus queridinhos (sim, ele já teve cabelo!) e abandonando-nos prontas em casa, saindo com o carro do pai, rumo a Guaratuba. Ainda buzinava e dava tchauzinho sorrindo.

Fez curso de modelo. Foi baterista de uma banda de garagem, conquistava corações e foi meu companheiro de discotecas (baladas), na época do Clube 700 e Angel’s Flight.

Cresceu, tornou-se adulto, e aí o Julinho virou Julio. Fez faculdade de Educação Física, em Ponta Grossa, e antes mesmo de se formar, casou-se, pois a Julia teve pressa de vir ao mundo. Depois de alguns anos veio a Olívia. E que paizão! Enchia-se de orgulho das suas meninas. Não à toa, porque elas são maravilhosas e muito amorosas, como os pais.

As suas peraltices da infância e adolescência transformaram-se num humor ímpar. Tirava sarro das pessoas, sempre de forma amorosa e sorrindo.

Profissionalmente, seguiu para o lado da natação, primeiramente numa academia, depois no Colégio Positivo Junior, na sequência fundou a WS Natação, foi para o Clube Curitibano e, por fim, estava atuando como personal para atletas de natação, fazendo treinos online de piscinas e águas abertas. Em alguns campeonatos internacionais, atuou como técnico da seleção brasileira de natação. A competitividade e os desafios eram seu horizonte. Foram incontáveis podiuns e era referência em águas abertas. Nas inúmeras conquistas está a travessia do Canal da Mancha com sua atleta Mariana Chevalier, a brasileira mais jovem, com apenas 16 anos, a conseguir tal feito.

Ele não foi só um professor, técnico ou coach de natação. Contribuiu na educação e formação de seus atletas, apostando neles e, principalmente, elevando a autoestima e contribuindo para o progresso moral.

O velório estava lotado de jovens que passaram pelas mãos dele. Pessoas emocionadas vieram até mim, para dizer que ele foi um segundo pai. O “pai das águas”.

Unia os irmãos, mandando mensagens todos os dias no grupo da família. Quando um deixava de esboçar qualquer reação, ele já vinha com a pergunta: “Notícias da Norminha?”, “Notícias do Luizinho?”, “Notícias do Renatinho?”, “Notícias da Lucinha?” ou “Notícias do Waldinho?”. Ou então, quando surgia uma pergunta, ele já direcionava para a pessoa responder, com o dedinho apontando. Quando postávamos qualquer coisa nas redes sociais, ele sempre era o primeiro a curtir e comentar com o meme “SHOW” ou “MB”, ou seja, muito bom. Parecia que ficava direto conectado, mas sabíamos que era mais uma maneira de manifestação de carinho.

Aliás, carinho não lhe faltava. Comigo sua marca registrada era “Luciaaah”. Falava ou mandava figurinha toda hora. Também enviava mensagens, vídeos de orações ou de gatos, quase que diariamente. Com as filhas, a neta mais velha, Tereza, e meu irmão mais novo, fazia chamadas de vídeo todos os dias. Era apaixonado por sua segunda mulher, a Valdete. E ela por ele. Pareciam namorados, mesmo convivendo por mais de uma década.

Gostava de pegar no pé ou zoar de tudo, seja da família, atletas ou amigos. Mas seu alvo preferido eram os torcedores do time rival. Qualquer perda ou desclassificação era motivo para o envio de uma explosão de memes. Era o chato mais querido e legal que existia. Mas, para nós, familiares, sempre ao final tinha um “eu te amo. Fique com Deus”.

Fé não lhe faltava. Era católico fervoroso e não tinha medo de passar pra outra dimensão. Dizia “se morrer, morri”.  E é nessa fé que sabemos que ele está bem e num lugar bonito. E isso que nos conforta.

Tinha um defeito. Era um dos primeiros a chegar em qualquer confraternização e o primeiro a ir embora. Do nada, ele se levantava e dizia: “Bora, bora”. E não tinha o que o fizesse mudar de ideia. Tinha pressa não sei de que.

Acredito que até na hora de sua passagem, por ter sido rápida, deve ter falado ao seu Anjo Guardião: “Bora, bora”.

Siga em paz, meu irmão. Você cumpriu sua missão com louvor. Olha por nos aí de cima, que aguentaremos firmes aqui embaixo.

Te amaremos eternamente!

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