Fuga inédita de uma penitenciária de segurança máxima na última semana reacende debate sobre prisões federais
18/02/2024 às 22:09
Especialistas afirmam que elas não são suficientes para impedir a nacionalização de facções. (Foto: Divulgação)

A fuga inédita de uma penitenciária de segurança máxima na última semana mostrou o desafio de manter os objetivos destas unidades, construídas a partir de 2006: isolar líderes de facções e enfraquecer o crime organizado. Especialistas afirmam que elas cumprem o primeiro objetivo. Mas não são suficientes para impedir a nacionalização de facções e as alianças com outras organizações criminais locais a partir das cadeias, como ocorreu no Norte e no Nordeste.

A fuga de Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça da unidade de Mossoró na última quarta-feira inaugurou a primeira crise da gestão de Ricardo Lewandowski, que havia sido empossado há 13 dias no Ministério da Justiça e da Segurança Pública. A Polícia Federal investiga se os dois detentos tiveram ajuda interna para escapar.

Fábio de Sá e Silva, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, acompanhou de perto a concepção do sistema, na gestão do então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Na época, trabalhava numa coordenação do Departamento Penitenciário Nacional.

“A realidade dos sistemas estaduais é assimétrica. O sistema federal dá opção para que o país consiga fazer a gestão que alguns estados não dão conta ou que assumem risco excessivo”, analisa. “Pode ser estratégico um estado colocar essas pessoas numa estrutura mais apropriada, considerando questões de segurança e capacidade de monitoramento”.

O modelo das unidades federais foi inspirado na prisão de segurança máxima americana ADX (Administrative Maximum Facility), construída no Colorado e conhecida como “Alcatraz das montanhas rochosas”. Elas se diferenciam das prisões distritais e estaduais pelo controle e disciplina.

Quatro revistas

Para visitar um preso, é preciso passar por quatro etapas de revista, com escâneres corporais, catracas biométricas e câmeras. O espaço é controlado 24 horas por dia, por centros de monitoramento locais e em Brasília. É proibida a entrada de qualquer tipo de aparelho, além da visita íntima e da interação física. Parentes podem falar com o preso somente nos parlatórios, salas separadas por vidro, usando interfone.

Advogados têm direito a apenas uma hora por semana. Todas as conversas são gravadas. Não há televisão nem jornais. As leituras permitidas são de livros, revistas, apostilas de cursos e conteúdos religiosos. Também era permitido banho de sol de duas horas na presença de outros internos, concessão suspensa depois da fuga no Rio Grande do Norte.

Deibson e Rogério, que são ligados ao Comando Vermelho, estavam no Regime Disciplinar Diferenciado, por terem participado de uma rebelião em um presídio no Acre, de onde foram transferidos. Para Sá e Silva, no entanto, medidas de maior rigor podem ter resultados negativos, como o adoecimento dos presos e servidores, e um acirramento da revolta da massa carcerária.

“Quando essas pessoas são submetidas ao isolamento por muitos anos, aguça mais o antagonismo entre os presos e o Estado. E contribui para que as organizações criminosas tenham táticas de terrorismo com relação ao poder público”, diz o pesquisador, para quem os presídios federais também não promovem a ressocialização.

MBA do crime

Para o pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), as unidades federais funcionam como uma base de relacionamento de presos.

“Nas prisões estaduais, os criminosos ampliam suas redes, entrando em contato com pessoas mais importantes na hierarquia do crime, com mais experiência. Nas federais, há uma especialização ainda maior. Isso é mencionado entre eles, que falam jocosamente dos presídios federais como uma espécie de MBA. Quando saem, voltam para a rua com outro status”, compara.

Para o pesquisador, a criação do sistema federal contribuiu para a nacionalização das facções criminosas do Sudeste, ao pôr os líderes em contato com encarcerados de toda parte do Brasil, como no caso da FDN.

“Até 2006, era possível contar nos dedos da mão o número de facções do Brasil. Hoje temos quase 60, em todos os estados”, destacou.

Aumento de facções

A socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania e ex-diretora geral do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro, também faz reparos à criação do sistema federal.

“Aos poucos, a gente foi reunindo lideranças de todas essas facções, que acabaram convivendo com criminosos de outros estados. Cada sistema penitenciário estadual tem que aprender, tem que criar maneiras de lidar com seus presos perigosos. E não se livrar do problema”, disse Julita.

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